Se você é usuário de redes sociais, especialmente o Facebook, já se deparou com postagens de seus amigos com o resultado de testes dos mais diversos, entre eles o que dá título a este texto até sobre qual casa de Hogwarts você pertence ou quem você foi em uma vida passada. A maioria das pessoas já sabe que os aplicativos que fornecem esses testes roubam seus dados, mas aparentemente não se importam com isso. No entanto, este não é o único e nem o maior risco que este tipo de prática oferece.
Muitos especialistas dizem que dados são o ouro desta década. Mesmo assim, as pessoas não protegem suas informações tão bem quanto protegeriam algo mais tangível como dinheiro ou bens de valor. Muito disso vem do pensamento de que “não faço nada de errado, não tenho nada a esconder”. Mesmo que isso seja verdade, seus dados dizem muito sobre sua personalidade e isso pode ser usado para manipular suas atitudes e opiniões de maneiras que você nem sabia que eram possíveis.
Pegue dois casos recentes e famosos: Brexit e Eleição de Donald Trump. Esses dois casos têm algumas coisas em comum: eram extremamente improváveis e reverteram suas pequenas chances de sucesso apostando em falar de forma massiva com cada pessoa. Para isso, coletaram dados de milhões de eleitores através de seus perfis do Facebook e este acesso foi garantido pelas próprias pessoas de forma irrestrita e concensual. Como? Através de aplicativos de pesquisa que tinham o susposto objetivo de entretenimento e que, para isso, pedia que você autorizasse acesso ao seu perfil e o de seus amigos.
Com base nesses dados, a empresa responsável pelo engajamento em mídias sociais das duas campanhas, Cambridge Analytica, traçou um perfil psicológico de cada eleitor nos Estados Unidos e no Reino Unido e direcionou campanhas para grupos específicos, espalhando mentiras, causando reações baseado na emoção humana com maior capacidade de engajamento: o medo.
Não é preciso muito para que empresas assim saibam tudo o que é preciso saber sobre você. Segundo estudos da própria Cambridge Analytica, bastam nove pontos de informações para traçar um perfil psicológico de uma pessoa e, assim, manipulá-la. Para isso foi utilizada uma metodologia chamada OCEAN, onde uma pessoa é classificada dentro de cinco critérios de personalidade:
Hoje em dia tudo é convertido em dados. O seu celular sabe até a sua altura baseado na distância e tempo que leva para sair do seu bolso até próximo de seus olhos, sua força ou peso, pela intensidade com que toca a tela, sabe o quão ansioso e impulsivo você é pela quantidade de vezes que você desbloqueia o celular, se você tem insônia por quantas vezes acessa o telefone durante a noite, se trabalha em um escritório ou em ambientes abertos cruzando dados de quanto tempo o aparelho está ligado a um carregador com por quanto tempo ele está em movimento, se você se locomove a pé, bicicleta, ônibus ou metrô pela velocidade com que se locomove e por quantas vezes perde contato com as antenas de transmissão (dando a entender que você está em um túnel). Essa lista é ainda mais longa. Tudo isso mesmo que você não faça parte de nenhuma rede social. Apenas por ter e usar o smartphone.
Se você, como muitos, faz uso de redes sociais, é possível saber o quão engajado você é por determinados assuntos, o quão suscetível é de clicar em links relacionados a tópicos específicos, o quanto responde e compartilha por impulsão, que locais você gosta de ir, quanto gasta em média, se bebe, se gosta de comer, como se locomove, se é uma pessoa sociável, quem são seus amigos, o que escuta, o que assiste, se prefere Star Wars, Star Trek ou (como eu) ambos, se é mais alinhado politicamente à direita ou à esquerda, se mora em casa ou apartamento, se tem imóvel próprio ou não, se mora sozinho ou com família, quantas línguas fala, se domina alguma dessas, etc.
O que mais se precisa saber de uma pessoa para que se consiga influenciar ou mesmo cometer crimes contra alguém? Com base nessas informações, criminosos ou programas maliciosos podem deduzir suas senhas e até mesmo fazer compras usando seus dados ou invadir seu computador e usá-lo como bem entenderem. Existem casos relatados de pessoas que tiveram seus dados roubados, com base neles, contas falsas em seu nome foram criadas em outras redes sociais e, a partir daí, os criminosos cometiam estelionatos, tornando mais difícil seu rastreamento.
Tudo isso começa no momento em que você aceita abrir mão de sua privacidade para saber quem você seria na “Suruba do Dória” ou “qual tipo de cachorro combina com sua personalidade”. O simples fato de aceitar os termos de uso desses aplicativos abre uma porta para que suas informações sejam usadas contra você e contra as pessoas que você conhece. E essa porta permanece aberta mesmo depois, já que o acesso a estes aplicativos continua ativo daquele ponto em diante. Ou seja, suas postagens dali em diante continuam a ser monitoradas.
Isso pode ser usado para influenciar a sua opinião sobre qualquer coisa, levando-o a acreditar no que o algoritmo acha que você está mais propenso em divulgar antes de verificar que é verdade. Outra estratégia é inundar sua visão com postagens que têm por objetivo ser uma distração, evitando que você veja ou engaje em assuntos que os autores destes programas desejam evitar.
Já percebeu que sempre quando algo de fato importante está para acontecer, como uma votação no Congresso, as redes sociais são invadidas por memes e notícias que debatem que cor de roupa crianças devem usar ou como a empresa tal está sendo boicotada por promover uma suposta diversidade? Talvez você tenha se engajado demais neste tipo de assunto, defendendo ou acusando, e nem percebeu que seus direitos estão sendo usurpados.
Existem formas de reduzir este risco? Sim, apesar de que o que você pode fazer é muito pouco, mas importante. Em primeiro lugar, evite ao máximo adicionar estes aplicativos de pesquisa ou mesmo de jogos nas redes sociais. Ao fazê-lo, verifique que tipo de acesso este aplicativo solicita e clique na opção para configurar este acesso e o restrinja ao mínimo possível. De tempos em tempos, acesse suas configurações de privacidade nas redes sociais das quais faz parte e desabilite aqueles que não usa ou que não sabe do que se trata. Por fim, fique atento em como você se engaja nas redes sociais, verifique a veracidade de notícias antes de compartilhar e fique atento para saber se você não está mordendo a isca que foi colocada para o seu tipo de personalidade.
Existem outros riscos além dos aqui citados, claro, mas estes ficam para um artigo futuro. O que é mais importante aqui é você definir o que vale mais: sua privacidade e segurança ou você saber se seria a Branca de Neve ou a Ariel? As princesas da Disney podem ser ficção, mas os riscos da falta de privacidade são reais e eles se voltam contra você como um príncipe que entra à noite pela sua janela e, de forma não consensual, lhe rouba muito mais do que apenas um beijo.