A Falta que o Pensamento Estatístico faz

Para trabalhar com dados, quem vê de fora pensa que parece ser necessário um conjunto de skills bem específicas e difíceis, com o objetivo de dar sentido à um amontoados de números. Bem, claro que existem estas partes, mas quem trabalha de forma profissional com dados não começou daí. Há um passo anterior a ser dado, que tange não somente à quem trabalha na área, mas se faz tão importante que extrapola os limites corporativos, e deveria ser de acesso básico, inclusive por determinar futuros de nações e toda uma cultura.

Estou falando do pensamento estatístico. Não é necessário saber grandes fórmulas nem preencher complexas planilhas de Excel para ter esse “mindset”, não. É, na realidade, um padrão no modo enxergar os acontecimentos da vida e conseguir abstrair os fundamentos de um olhar científico que o cotidiano traz. Com ele, a ótica de todo acontecimento se torna automaticamente enviesada para a ciência, no sentido de que ficamos automaticamente mais próximos dos posicionamentos acadêmicos, em qualquer situação, apenas com a visão matemática da coisa. De fato, a estatística é uma irmã (bem) mais nova do ceticismo.

Podemos observá-lo na prática quando nos deparamos com certas situações, como uma porta bater sozinha. Há ramificações a partir deste acontecimento: Podemos nos assustar com o barulho, podemos imediatamente nos levantar a abri-la novamente, ou podemos simplesmente ignorar. É o ambiente determinando nossas ações. Como diz Kurt Lewin em “Princípios de Psicologia Topológica”, “o comportamento atua em função da pessoa em conjunto com o ambiente”.

O pensamento instintivo seguinte é procurar causas para o ocorrido. Aqui, seu conjunto de crenças e vivências tem um peso importante. Se for um espírita fervoroso, podes pensar que há um agente sobrenatural atuando. Se tens o pensamento estatístico enraizado, pensa-se logo nas probabilidades mais possíveis como causas dos comportamentos do ambiente. Na estatística, assim como em toda ciência séria, os métodos são feitos com o objetivo de eliminar a chance de erro, e desta maneira, a possibilidade do espírito zombeteiro estar presente se distancia do olhar científico. As probabilidades estatísticas indicam a favor da corrente de ar que possivelmente passou por ali.

Este é um exemplo dos mais banais. Entretanto, a pessoa que leva a vida distante do mínimo ceticismo cairá em armadilhas que se tornam cada vez mais comuns: Fake news, hoax, ideologias cegas. Todos estes fenômenos são constantemente auto-reforçados por pessoas distantes do pensamento estatístico, que são levados por crenças e falsas falácias de autoridades à um padrão de comportamento muitas vezes destrutivo, e sempre distante da ciência.

Por exemplo, uma crescente onda de pessoas que acreditam que as queimadas recentes na Amazônia (2019) foram causadas por ONGs ou grupos indígenas. Não há, entretanto, qualquer indício estatístico que apoie esta ideia. Ela é constantemente reforçada por mentiras, e poderia ser facilmente refutada com ciência.

Quando extrapolamos este padrão de pensamento e entendemos como maioria as pessoas dentro deste grupo, e ainda com poderes concedidos pelo Estado nas mãos, temos de nos preocupar. O futuro de uma (ou várias) sociedades pelo mundo hoje estão ameaçados diretamente por fatores que o pensamento cético jamais permitiria emergir, como contestação cega à dados reais e resistência às mudanças climáticas.

Ter pensamento estatístico não é uma escolha. Uma vez que de torna um hábito, não há como voltar atrás (até pela automatização do pensamento), e para que cheguemos a este ponto em uma quantidade relevante de pessoas, a nível de termos grupos ou nações com “inconscientes coletivos científicos”, só a educação de base mostra-se como solução. Nações científicas são nações com índices de criminalidade baixos, e grandes exportadores de profissionais de qualidade. Investir em educação é investir em ciência, que automaticamente se torna investir em pensamento crítico e cético. Talvez explique os atuais cortes na educação do Brasil.

Há um grande e longo esforço envolvido na operação de educar um país, claro, mas enquanto lê este texto, se tem algo que você pode fazer é investir em seu pensamento cético. Não há dúvida que te levará mais longe, e ainda te trará a paz de espírito e tranquilidade necessárias para viver uma vida sabendo que a ciência sempre estará do nosso lado.

Author: Murillo Ravagnani

Murillo Ravagnani trabalha com Psicologia, Direito, Meio Ambiente e Ciência de Dados. Dedicado à pesquisa e ciência full-time. Colaborador do @iConfPod e membro da @_abric. Jogador de futebol americano nas horas vagas.