Transcrição – 07 – É possível prever o futuro?

Esta transcrição foi feita por Karla Braga e é uma reprodução fiel ao que foi dito no episódio.

Esta pauta foi feita por Igor Alcantara. A vitrine do episódio foi feita por Diego Madeira. O episódio foi apresentado por Nicolli Gautério e participaram Igor Alcantara e Patrícia Balthazar.

O episódio começa com a vinheta Intervalo de Confiança. A trilha foi composta por Rafael Chino. A voz da vinheta é de Letícia Daquer. A voz com os créditos, ao final do episódio, é de Mariana Lima.

A TRANSCRIÇÃO ESTÁ EM PROCESSO DE FINALIZAÇÃO. A VERSÃO ATUAL É TEMPORÁRIA, MAS É MAIS DE 90% FIEL AO QUE SERÁ A TRANSCRIÇÃO FINAL.

Abertura

Igor diz: Desde o início da história da civilização humana nós temos uma grande dificuldade de lidar com a incerteza. Tanto que tentamos sempre construir explicações e ver significado nas coisas mais banais. Não saber o porque de uma coisa nunca foi algo aceitável e tanto religiões quanto a ciência nasceram da nossa urgência em saber a explicação de tudo entre o céu e a Terra. Só que não bastasse isso, nós ainda temos uma grande necessidade em saber o que ainda nem aconteceu. Somos seres tridimensionais querendo de uma forma desesperada ter acesso a uma quase inacessível dimensão temporal. Mas será que é possível de fato prever o futuro? Ou, quem sabe, saber qual o  futuro mais provável? Aliás, o que significa o termo “mais provável”? Pois bem, caros e caras ouvintes, é disso que vamos falar hoje, mas antes, vamos para um super breve quadro de recados. É rapidinho mesmo. Fique aqui conosco!

Recados

Igor diz: Não esqueça de visitar nosso site em intervalodeconfianca.com.br e também curtir nossas redes sociais:

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Inclusive a gente sempre recomenda o ouvinte, se ele estiver com o celular na mão, para ele ouvir o episódio verificando o nosso Instagram, porque se a gente citar alguma imagem ou alguma coisa você consegue ver lá.

E a gente também pede pros ouvintes falarem o que eles acharam do episódio, falar o que eles acharam dos nossos textos, etc. Então você pode tanto comentar no site quanto mandar um e-mail pra gente no   contato@intervalodeconfianca.com.br. Inclusive no nosso site, que a gente já falou o endereço, você pode encontrar a transcrição em texto para este e para todos os nossos outros episódios.

E também tem uma novidade, que a gente está introduzindo agora, se você entrou no nosso site você já viu isso nos episódios anteriores: agora no post de cada episódio você vai ver uma pequena análise do texto falado durante o episódio (quantas palavras foram faladas, a média de palavras por minuto, isso por participante, quais foram as palavras mais faladas, com alguns gráficos, de número de palavras, etc.).

E nós também temos textos. E cada vez mais textos interessantes, que complementam o conteúdo dos episódios e alguns até são assuntos à parte, lá no nosso Blog. Então você pode entrar no intervalodeconfianca.com.br e no Menu procurar “Blog” ou ir direto em intervalodeconfianca.com.br/blog. Tem texto sobre inteligência artificial, sobre consciência artificial, inteligência artificial, trabalho e marxismo, sobre profissionais de data Science, tem todo tipo de texto sobre computação, quântica, de todo tipo… Então dá uma olhada lá.

Introdução

Igor diz:

Há cerca de 2500, cidadãos e governantes gregos iam até à cidade de Delfos se consultar com o famoso oráculo. Mesmo antes disso, textos antigos como o egípcio “A Profecia de Neferti” mostravam a função de adivinhos na vida das pessoas. Por séculos, líderes não tomavam decisões importantes sem consultarem seus especialistas em prever o futuro. Foi assim que diversas personalidades como Joana D’Arc e Rasputin ficaram famosas. Só que mesmo hoje, em pleno século XXI, ainda tentamos antever o que está para acontecer. Alguns usam tarô, horóscopo, búzios, borra de café, sonhos, leitura de mãos, mas também existem aqueles que usam números, estatística e métodos científicos. Será que um método é melhor do que o outro? É isso que a gente vai descobrir hoje. 

Meu nome é Igor Alcantara e eu serei o apresentador do programa de hoje. E para debater isso comigo estão Patrícia Balthazar…

Patrícia se apresenta.

E uma pessoa que não é estreante em gravações porque já gravou o Variância número 3 e também já escreveu um texto pro site, mas que é a primeira vez que grava um episódio completo do Intervalo de Confiança. No entanto, ele está mesmo assim presente de alguma forma em todos os episódios, já que ele é o nosso grande editor. Eu estou falando do nosso amigo Márcio Moraes.

Márcio se apresenta.

Obrigado Paty e Márcio pela sua presença e vamos começar entendendo um pouco de onde vem essa nossa vontade em saber sobre o futuro.

Breve Histórico

Patrícia diz: Se a gente analisar os termos que estão desde sempre relacionados a saber o futuro, a gente vai ver algo interessante. Pegue, por exemplo, a palavra Previsão. O que ela significa é “Visão Anterior” ou “Ver Antes”. Mas Ver antes de que? Ver antes do acontecimento em si, não adianta prever o futuro depois que ele aconteceu, não é? Agora vamos pegar outra palavra: Adivinhação ou mesmo Divinação, essas palavras têm um significado de “Antever” igual a Previsão, mas também de “Ser Inspirado por Deus”, no sentido de que o tempo é algo sob o qual nós não temos controle e saber o futuro é algo que só está ao alcance de um ser superior. Por isso que as primeiras pessoas que se diziam portadores do talento de ver o futuro eram figuras religiosas reivindicando para si uma direta comunicações com “a” ou “as”divindades.

A verdade é que nós nada mais somos que macacos com ansiedade e como tal, a gente não consegue esperar o futuro acontecer, a gente quer saber o que vai acontecer o quanto antes. E isso não é ruim, na verdade isso nos ajudou a sobreviver em condições tão adversas. Especialmente quando começamos a nos juntar em bandos cada vez maiores e mais sedentários, era importante saber quando viria a próxima chuva, quando era melhor plantar, quanto tempo a comida estocada poderia alimentar a todos, qual área havia a maior chance de ter um predador. Enfim, saber o futuro era uma vantagem muito importante.

Por isso, a gente sempre tentava ver sentido em tudo, mesmo naquelas coisas que não tinham sentido algum com o que a gente queria que elas tivessem. E essa característica ficou marcada de forma bem forte no nosso cérebro. Sabe quando a gente vê uma nuvem no céu e começa a ver formas conhecidas nelas? Ou quando alguém enxerga a imagem de um santo no mofo da parede? É parte deste mecanismo do cérebro de encontrar sentido nas coisas. E porque queremos encontrar sentido nas coisas? Por que isso nos ajuda a tentar prever o futuro.

Imagine uma situação hipotética, mas que bem possivelmente aconteceu num passado remoto. Um determinado povoado estava sofrendo com uma seca terrível. Eles não entendiam porque não chovia há tantas semanas. Um dia eles começam a brigar e um deles, um careca por exemplo, acaba morto. No mesmo dia cai um temporal. Aí eles pensam: foi o sangue do careca tocando o solo que fez chover. A partir daí, todo ano tornou-se tradição o Sacrifício do Careca.

Em um ambiente assim, qualquer pessoa mais inteligente e oportunista poderia se declarar como conhecedor do futuro ou mensageiro direto do céu e obter vantagens. E se ele não acertar nada é fácil, é só culpar a fé dos outros ou dizer que precisam de mais sacrifícios.

Márcio diz: Foi assim que desde a antiguidade surgiram as figuras dos Oráculos e dos Profetas. Seja na mitologia grega, na Bíblia judaico cristã, nos livros da Veda indiana, nas lendas da américa pré-colombiana, nas crenças dos povos africanos ou das tribos da Polinésia, sempre existe essa figura do adivinhador.  E essa figura também sempre vinha acompanhada daquela que explica uma pergunta super fundamental: “como que o mundo funciona?” No final era e ainda é tudo uma questão de desejo e necessidade de controle, de domar a natureza. A gente não sabia viver com a incerteza, então quando os raios e trovões eram explicados usando como bengala alguma divindade ou simpatia. Só que aos poucos fomos entendendo os fenômenos por trás de cada uma dessas coisas, mas o futuro ainda continuava e podemos dizer que continua ainda, algo quase que inatingível.

Pensando em hoje, a maioria das coisas que vão acontecer a gente pode até ter uma ideia do que são, mas não conseguimos ter certeza, mas muita coisa a gente consegue saber com uma certeza igual ou bem próxima de 100%. Quer um exemplo pegue a astronomia. Já se previu a existência e mesmo a localização de buracos negros, planetas e cometas muito antes deles serem de fato observados. Netuno, por exemplo, por causa da perturbação gravitacional que ele causava, já se sabia que ali naquela órbita havia um planeta e já sabíamos até o tamanho e a massa dele. Só depois de alguns anos é que ele foi observado. Da mesma forma, a gente sabe com uma precisão de mais de 10 casas decimais o local, a data e hora exatas do próximo eclipse total, a passagem de um cometa, etc. Só que hoje aqui vamos falar de outro tipo de visão do futuro, uma menos precisa, mas igualmente importante. Só que antes, vamos ver como saímos do nada até chegarmos ao estado atual da ciência das chances, também chamada de Probabilidade.

Igor diz: Com a evolução da matemática, alguns estudiosos começaram a pensar se de repente não seria possível usar os números para prever os eventos futuros de uma forma mais precisa, já que algumas pessoas perceberam que o os adivinhos e oráculos diziam era tão enigmático e obscuro que no final aquilo podia significar qualquer coisa. E aqui nem foi um passo tão grande ainda. O ouvinte tem que ter em mente que nos primórdios, a matemática era vista como uma espécie de idioma pelo qual Deus se comunicava com a natureza. Isso era bem forte principalmente com os gregos, que começavam a perceber proporções áureas e outros aspectos da geometria em tudo ao seu redor e associavam isso a uma expressão divina.

Márcio diz: Só que usar números para tentar prever alguma coisa começou bem depois dos gregos antigos e lá no oriente médio. No Século XVIII, nos anos 700 e pouco, o matemático árabe Al-Khalil começou a calcular de quantas formas diferentes as palavras em seu idioma podiam ser escrita trocando as letras delas por outras de modo a criar uma forma rudimentar de criptografia. Esse estudo dele foi publicado no “Livro de Mensagens Criptográficas”.

No século seguinte, o também árabe Al-Kindi foi o primeiro a usar matemática para decifrar mensagens criptografadas. Ele criou uma tabela que mostrava a frequência em que cada letra aparecia em textos e usava isso para converter um texto criptografado em um texto legível. O método dele era bem simples. Ele fez isso para o idioma árabe, mas usando português, a gente sabe que a letra mais comum é a letra A. Então se eu tenho uma mensagem criptografada usando um método simples de substituição e nessa mensagem a letra mais comum é, por exemplo, um W, eu sei que tem uma grande chance de o W naquela mensagem ser na verdade um A. Depois disso eu vejo quais letras mais comuns depois de um A e assim, num processo de tentativa e erro, eu vou descobrindo letra a letra até decifrar toda a mensagem.

E o que isso tem a ver com o tema de hoje? Bom, isso foi o precursor de uma coisa fundamental quando você tenta usar números para prever o futuro. E essa coisa tem o nome de Probabilidade.

Só que o estudo da probabilidade de fato só foi começar alguns séculos depois, na Itália renascentista do Século XVI com o biólogo, médico, astrônomo, alquimista, poeta e matemático Gerolamo Cardano. Ele tem várias contribuições para a matemática. Ele foi, por exemplo, o primeiro a usar números negativos de forma consistente em seus trabalhos. Ele resolveu diversos teoremas na época sem solução, alguns de raiz cúbica e outros de raiz quadrática, teve até uns que ele resolveu em forma de poema. Ele foi um dos descobridores dos números imaginários, enfim, ele fez muita coisa, mas a gente está falando ele aqui por que foi ele quem primeiro descobriu algo muito importante que hoje damos o nome de Teorema Binomial.

Cardano tinha um sério vício em jogos. E aqui não estamos falando de LOL não. Ele era viciado em jogos de azar mesmo. E ele tinha a pior característica para alguém com esse problema: ele vivia sem grana. A vida dele era basicamente uma sequência de falências. Estudar matemática nunca deu dinheiro, nem hoje e nem naquela época.Bom, para tentar melhorar seus ganhos com jogos, ele começou a estudar isso e escreveu um trabalho chamado “Livro o Jogo de Azar”, aqui numa tradução livre nossa do italiano pro português. Ele escreveu esse livro em 1564, mas essa obra ficou meio que esquecida e só foi descoberta e publicada de fato em 1663.

Patrícia diz: Resumindo o que ele descobriu pro ouvinte não ficar com sono, ele percebeu que quando mais

Um jogo de azar é jogado, maiores as chances de você prever o resultado. Pra gente entender melhor o que é isso, pense numa moeda. Se ela não estiver adulterada, concorda que a chance de cair coroa é a mesma que a de cair cara? Ou seja, a chance de você jogar a moeda e cair o lado que você escolheu é de 50%. 

Então vamos fazer um experimento. Digamos que eu jogue uma moeda agora e dê cara. Concorda que se eu jogar a segunda vez com certeza dará coroa? Não, claro que não! Você pode jogar uma vez e dar cara e na segunda também dar cara. Isso quer dizer que então essa moeda está viciada e sempre que eu jogar ou na maioria das vezes vai dar cara? Também não! E foi isso que o Cardano percebeu. Quando a gente fala de uma chance de 50%, isso não se refere não exatamente a uma jogada individual, mas ao conjunto de jogadas. Então, quanto mais você joga, mais próximo dessa probabilidade de 50% você chega. Confuso? Calma, vamos falar de algumas outras coisinhas e já chegamos lá.

Igor diz: Um problema semelhante aconteceu entre dois famosos matemáticos franceses do Século XVII. No caso eu estou falando de Blaise Pascal e Pierre de Fermat, ambos super famosos e muito importantes. Pois bem, esses dois matemáticos trocavam cartas e da troca de cartas deles veio uma questão interessante. Digamos que duas pessoas estão disputando um jogo de moedas. Um escolhe cara e o outro coroa. Aí eles jogam a moeda 5 vezes. Aquele que tiver a sua face da moeda mais vezes revelada ganha a aposta. Até aí beleza. Eles jogam a moeda 3 vezes e dá 2 caras e 1 coroa. Só que então o jogo é interrompido. Qual a melhor forma então de dividir o prêmio se o jogo não terminou? Foi isso que eles ficaram debatendo e esse debate mudou a história da ciência. Acompanha aqui com a gente que vocês vão entender.

A ideia de dar o prêmio para quem estava na frente naquela hora não fazia sentido. Vai que as últimas duas jogadas saíssem coroa? Já que as jogadas anteriores não influenciam as posteriores, então isso era sim possível. Foi aí que Fermat teve uma ideia. Ele escreveu no papel todos os possíveis cenários. Poderia dar duas vezes cara, duas vezes coroa, uma vez cara e uma vez coroa. Destes cenários, em três quem tinha escolhido cara ganhava e em apenas uma quem escolheu coroa ganhava. Então a proposta dele era que o prêmio fosse dividido na proporção de 3 pra 1. O Pascal demorou mas no final acabou concordando. E essa coisa de imaginar futuros ou possibilidades foi revolucionário para a ciência. Sem isso, quase nada do que usa probabilidade hoje em dia existiria: de cálculo de seguros, previsão do tempo, etc. Ou seja, o que o Fermat descobriu era que com os dados corretos você poderia descobrir a chance de que um evento futuro acontecesse. Sem isso, não haveria nem ciência de dados, nem machine learning, inteligência artificial, física quântica, ressonância magnética, tratamentos de diversas doenças e talvez nem o podcast Intervalo de Confiança.

Probabilidade

Márcio diz: E essa é a ideia básica por trás de probabilidade. É a de você calcular a chance de algum evento futuro acontecer. Aí baseado nesta chance você toma alguma medida. Por exemplo, se a chance de chover amanhã é de 70%, você provavelmente deveria levar um guarda-chuvas, mas se for de 30%, talvez não. O preço do seu seguro é calculado na probabilidade de você de fato precisar acionar o serviço deles. Assim como várias outras coisas.

Patrícia diz: Existe inclusive um exemplo aparentemente banal, mas que ajuda a gente entender como funciona a probabilidade, pelo menos aqueles casos mais simples. E o exemplo que eu vou citar aqui não é tão intuitivo de entender, então eu peço a atenção do e da ouvinte. O caso que eu vou citar aqui é conhecido na estatística como o Problema de Monty Hall ou até mesmo como o Paradoxo de Monty Hall, apesar de eu nem achar que um Paradoxo. Bom, vamos lá, um apresentador de TV americana chamado Monty Hall tinha um programa que depois teve o formato copiado e adaptado no mundo todo, inclusive no Brasil, que consistia basicamente em um jogo de três portas. Em uma das portas havia um prêmio, digamos, por exemplo, um carro. E em duas portas havia uma outra coisa qualquer. Aqui para a gente entender melhor digamos que as duas outras portas estavam vazias. No começo do jogo o participante escolhe uma das portas onde ele acha que está o prêmio. Aí o apresentador abre uma outra porta. Aí vamos então para a rodada final onde restam duas portas: uma delas com o prêmio e outra sem nada. Aí o apresentador pergunta se o participante deseja trocar de porta ou não. E é aqui que entra o dilema. O que é melhor?

  1. Manter a escolha atual
  2. Mudar de porta
  3. Tanto faz

E aí?

Igor diz: Bom, gente, como a Paty falou, este problema não é intuitivo, mas existe uma resposta para ele e ela é baseada no estudo da probabilidade. A resposta correta é que suas chances maiores são se você mudar de porta. E eu falei que ela não é intuitiva por um motivo simples. Na primeira rodada, são três portas, então sua chance de ter escolhido a porta com o prêmio é de um terço e a de ter escolhido uma porta vazia é de dois terços. Certo? Então, na segunda rodada restam duas portas, uma com o prêmio e outra sem o prêmio. O pensamento intuitivo leva você a pensar que tanto faz, que existe 50% de chance de toda forma, só que não. Você está esquecendo de um detalhe bem importante: O apresentador não escolheu a porta aberta na primeira rodada de forma aleatória. Ele já sabe qual a porta tem o prêmio. E isso muda tudo!

Acompanha aqui comigo. No começo, a chance da sua porta ser a certa é mesmo de um terço, ou seja, de 33%. Se você escolheu a porta certa, então o apresentador pode abrir qualquer porta que restou já que ambas estão vazias. Só que, de novo, a chance disso acontecer é de apenas um terço. Ou seja, o mais provável é que você tenha escolhido uma das portas vazias.

Sendo assim, das duas portas que você não escolheu, o cenário mais provável é a de que uma delas tenha o prêmio. Então, só resta uma opção de porta ao apresentador. Ou seja, no cenário mais provável, na rodada final, só restam duas portas, aquela com o prêmio e aquela sem o prêmio. Sendo que você provavelmente escolheu a porta sem o prêmio. Por isso que mudar de porta, do ponto de vista da probabilidade, é o melhor caminho. Ao revelar uma das portas na primeira rodada, o apresentador aumentou as chances da porta que sobrou para dois terços.

Patrícia diz: Claro que isso não é uma certeza, não há como estabelecer uma estratégia para vencer esse jogo em 100% das vezes, mas você consegue subir suas chances de 33% para 66%. Ou seja, você dobra suas chances se trocar  de porta no final. E se você colocar mais rodadas e mais portas, na última delas quando restarem apenas duas portas a melhor estratégia é sempre trocar. E isso foi testado várias vezes. Vários experimentos foram feitos ali onde o Igor trabalha, na Universidade de  Harvard e depois de várias vezes que o jogo foi disputado com vários voluntários, você percebeu que quem mudava de porta no final vencia em ⅔ das vezes. Este então é um exemplo simples de como a gente pode aplicar a probabilidade de aumentarmos nossa chance em um evento futuro.

Márcio diz: Um exemplo mais complexo é, por exemplo, na quântica. Aquele modelo que a gente aprende na escola de um átomo que parece um sistema solar com o núcleo no meio e os elétrons circulando em volta como que em órbita está na verdade errado. Simplificando absurdamente a ideia, a posição do elétron é baseada em um cálculo de probabilidade também.

E a gente pode extrapolar para outras coisas como probabilidade de um meteoro X atingir a terra, de um avião cair, de um raio atingir sua cabeça, de um candidato X vencer uma eleição; enfim, a gente usa isso para muita coisa. Como a gente não tem aqui o recurso visual, não vamos entrar em detalhes sobre como calcular os diferentes tipos de probabilidades, mas é interessante o ouvinte entender de onde ela vem e como é importante.

Método Científico

Patrícia diz: Tão importante que na verdade a ciência hoje seria bem diferente se não fosse pela probabilidade. E para entender isso melhor, vamos contar uma história que aconteceu nos anos de 1930. Havia uma senhora em Londres que ela se gabava que só de provar um chá ela conseguiria dizer se o chá havia sido colocado em uma xícara de leite ou se o leite havia sido colocado em uma xícara de chá. Muita gente falava disso e essa história chegou aos ouvidos do pai da estatística moderna, Ronald Fisher. Fisher resolveu então testar se ela estava falando a verdade.

Igor diz: Ele preparou então um experimento. Em uma mesa havia 8 xícaras em ordem aleatória, onde quatro delas havia chá que recebeu leite depois e 4 onde o leite foi colocado primeiro. A ideia era que a senhora deveria provar todos e separar as xícaras em dois grupos: aquelas que tinham chá primeiro e aqueles que o chá foi colocado depois. Ele escolheu oito porque o número possível de combinações era bem alto: 70, onde apenas uma delas era a resposta correta. O que ele pensou foi o seguinte: a chance dela acertar uma xícara apenas chutando é de 50%, o que é bastante, já que a chance dela acertar é a mesma dela errar. Só que a chance dela acertar 8 é de 1 sobre 70, ou seja, de apenas 1,4% !

Se ela acertar tudo quer dizer que ela de fato sabe diferenciar se o leite foi colocado antes ou depois do chá? Não, mas é um forte indício disso, já que ela conseguir esse resultado no chute é bem pouco provável. Depois o Ronald Fisher melhorou melhor essa teoria dele até chegar num número de probabilidade que ele achava ideal: 0.05 ou 5%. Ele publicou isso num livro icônico chamado o Design de Experimentos em 1935 e isso fundou o que a gente hoje conhece como Teste de Hipótese que já falamos em outros episódios, mas vamos relembrar aqui. Só que, como a gente já falou isso antes, vamos falar bem resumidamente.

Márcio diz: Vamos dizer que eu quero testar se um medicamento novo contra uma doença X realmente traz melhora aos pacientes. O que eu faço? Eu pego voluntários com aquela doença, com diferentes características tipo idade, sexo, etnia, etc e separo em dois grupos: um grupo controle que vai tomar um placebo, ou seja, um remédio falso que não faz efeito algum, tipo homeopatia, e um grupo de estudo que vai tomar o remédio de verdade. Aí eu vou acompanhando as medidas de saúde daquelas pessoas e vejo se melhoraram ou não. E mesmo se melhoraram, eu preciso ver o quanto melhoraram. Ai a gente tem umas fórmulas que a gente aplica e que você ouvinte vai achar no post deste episódio e no nosso Instagram e no final eles chegam num número que indica qual a probabilidade de se encontrar aquelas valores apenas por uma ação do acaso.  

Por exemplo: digamos que eu estou testando se um remédio reduz o valor do colesterol. Aí a média de colesterol do grupo de estudo caiu de 145 para 130. De fato reduziu, né? Mas qual a chance de uma redução desse tamanho devido ao acaso? É isso que a gente calcula. E esse valor de probabilidade é o que se chama de Valor de P. Hoje em dia, por causa do Fisher, o que se considera normalmente é 5%. Ou seja, se essa probabilidade for 5% ou menos, então há ali um bom indicativo. Ou seja, ao contrário do que em outros cenários, aqui um P bom é um P pequeno. E quanto menor, melhor! Por que? Por que a ideia é que a chance daquele fenômeno acontecer devido ao acaso é tão pequena que há indícios então de que o que você está testando tenha de fato alguma influência no evento. Só que é importante dizer que o valor de P não é a resposta final, ele é apenas um indicador de que há alguma coisa ali que merece ser estudada mais a fundo.

Teoria dos Grandes Números

Patrícia diz: Pois é, mas probabilidade não se usa apenas em ciência, a gente pode usar em qualquer coisa para tentar, como a gente tem visto até aqui, prever o futuro. Quando a gente começou a falar disso, a gente citou que o estudo mais sério de probabilidade começou com o italiano Gerolamo Cardano que era viciado em jogo e queria saber como melhorar suas chances de ganhar. Vamos então falar um pouco melhor sobre o que ele descobriu aplicado na necessidade que ele tinha.

Então, caro ouvinte, imagina que nós estamos agora em um Cassino. Já ouviu falar que o cassino nunca perde? Pois é, já viu cassino falir? Difícil, mas porque? Por que eles entendem muito bem as leis da probabilidade. Vamos pegar por exemplo o jogo de roleta e a forma mais simples que tem de você jogar na roleta, que é pela cor. Existem duas cores que você pode apostar na roleta: preto e vermelho. Se der aquele valor, você ganha o valor que apostou de prêmio. Por exemplo, se apostou 10 Reais, você pega de volta os 10 que apostou e ganha mais 10. Ué, mas se tem metade das cores vermelhas e metade das cores pretas, o risco do cassino não acaba sendo grande? Já que se você aposta numa cor e tem 50% de chance de ganhar e 50% de perder, no final, o cassino fica sem lucro ou mesmo com prejuízo.

Exatamente! Por isso as chances não são de 50%. A roleta tem 2 números verdes: 0 e 00, que ninguém pode apostar. Quando cai neles, todos os jogadores perdem. Contando que são no total 38 números, o cassino ganha sempre 2 em cada 38 vezes. Parece que é uma vantagem muito pequena para manter um negócio multimilionário, mas se você pega essa chance e multiplica isso inúmeras vezes, isso se torna uma grande chance.

Sabe qual o nome disso? Teoria dos Grandes Números.
Vou explicar melhor a Teoria dos Grandes Números com outro exemplo mais simples. Vamos pegar de novo a moeda. Mesmo a chance de cair Cara sendo de 50%, pode ser que eu jogue 5 vezes e dê Coroa 4 vezes. Só que quanto mais eu for jogando a moeda, mais perto dessa probabilidade de 50%, que a gente chama de Valor Esperado, a gente chega. E é isso que a gente chama de Teoria dos Grandes Números. Você não consegue prever com exatidão qual lado uma moeda vai cair ou qual número da roleta vai sair ou qual time vai vencer o próximo jogo, mas quanto mais vezes jogar a moeda, rodar a roleta e um time jogar, mais perto da probabilidade esperada a gente vai chegar.

Previsão dos Esportes

Márcio diz: É por isso que, por exemplo, campeonatos de pontos corridos tendem a ser mais justos que campeonatos com fases finais. Mesmo difícil, num dia atípico é possível que o time melhor perca o jogo, mas num campeonato de vários jogos, a Teoria dos Grandes Números nos diz que, sendo o campeonato justo, os times melhores tendem a ficar na frente.

Algumas pessoas acham que isso tira a emoção do campeonato, mas alguns esportes adotaram estratégias para aliar emoção com justiça. Dois exemplos são o Baseball e o Basquete. Em ambos existe uma fase de pontos corridos onde, ao final, se classificam os melhores para os playoffs. E nos Playoffs os jogos são disputados em uma melhor de 5 ou 7 jogos, dependendo da fase do Playoff.

Igor diz: E falando de esportes, eles foram uma das últimas áreas em que a matemática foi usada para alguma coisa e hoje em dia os principais times de algumas das ligas de esportes mais ricas têm grupos de cientistas, incluindo aí estatísticos, em sua mesa diretora. Apesar de não ter sido necessariamente o início, essa área da ciência e da análise de dados voltada aos esportes começou a ganhar os holofotes depois do ano de 2002 devido a uma coisa que aconteceu com um pequeno time de baseball nos Estados Unidos.

No caso nós estamos falando do Oakland Athletics, time do norte da Califórnia que tinha um orçamento muito pequeno comparado aos grandes nomes da liga como o New York Yankees e o meu querido e amado Boston Red Sox. O Athletics tinha tido uma temporada acima das suas modestas expectativas em 2001, só que como resultado, seus principais nomes foram contratados por times mais badalados. Com pouco dinheiro em caixa, o time precisava encontrar uma forma de montar uma equipe competitiva para a próxima temporada. Foi aí que o Diretor Geral da franquia, Billy Beane, contratou o jovem e talentoso economista Paul DePodesta, que percebeu que muitos erros eram cometidos por todos os times da Major League of Baseball. As pessoas responsáveis pelas contratações iam atrás de talentos individuais sem saber de fato como eles se encaixariam juntos. O que Billy e Paul pereberam era que o objetivo do jogo não era conseguir mais rebatidas e sim mais corridas, então eles foram atrás de atletas que, combinados juntos, seriam capazes de garantir mais bases conquistadas e corridas, cedendo o mínimo possível, especialmente atletas pouco badalados e que, por isso, custaram muito menos. Essa história está retratada no ótimo livro Moneyball e também no filme de mesmo nome.

Márcio diz: Essa visão mudou a forma como o Baseball e vários outros esportes são disputados, trazendo a estatística para dentro e fora do campo. Usando essa mesma estratégia, o Boston Red Sox venceu o campeonato em 2004, quebrando uma maldição de 86 anos sem títulos. Hoje em dia, a escolha dos arremessadores, estratégia usada por cada rebatedor em cada momento do jogo e várias outras coisas são decididas baseado nesses estudos. Por exemplo, dependendo do tempo de partida, de quantas bolas um arremessador já lançou no dia, do placar, etc, o técnico do time que vai rebater consegue prever as regiões mais prováveis que a bola será lançada, deixando seu rebatedor mais preparado. E o mesmo vale também na hora do arremessador saber como lançar a bola.

Patrícia diz: Só que mesmo antes disso, outro esporte já usava a estatística como base para basear suas estratégias. No caso estamos falando da Fórmula 1. Em cada corrida, cada uma das equipes conta com um grande time de matemáticos e estatísticos que rodam diversos modelos computacionais que são atualizados volta a volta e indicam qual a melhor estratégia, quantas voltas em ritmo de classificação seus pilotos precisam, em que volta fazer o pit stop, etc. Isso às vezes se torna bem aparente. Foi o que aconteceu, por exemplo, no Grande Prêmio de Mônaco em 2005. Um acidente fez com que o Safety Car fosse à pista. Nesse momento, a estratégia quase óbvia de cada equipe era chamar seus pilotos para a troca de pneus. Por que? Bom, a ideia de uma corrida é que quanto menor tempo você gastar no final, melhor será sua posição na bandeirada final. Então, se por causa do Safety Car todos os carros estão mais lentos, melhor aproveitar este momento para ir aos boxes. Só que nesse dia, a McLaren fez algo diferente com o seu piloto que ainda estava na pista: Kimmi Raikkonen. Ela disse para Kimmi continuar na pista, não trocar os pneus. Ele então fez isso, quando a corrida recomeçou, passou a dar voltas voadoras, abriu 35 segundos de vantagem, parou nos boxes só depois disso, trocou de pneus e voltou ainda na frente e com pneus novos, aumentando ainda mais a diferença e vencendo a corrida. Por que eles tomaram uma decisão tão arriscada? Por que os cálculos de seus analistas disseram que essa era a melhor estratégia.

Márcio diz: No Futebol Americano, no Hockey no Gelo, no Golfe e em diversos outros esportes, esses recursos são cada vez mais usados. No futebol americano, por exemplo, temos um caso famoso e até anterior ao exemplo que citamos no Baseball. No Draft do ano de 2000, o New England Patriots escolheu na sexta rodada um novo Quarterback. Aquela era a escolha de número 199, o que é bem fora do comum para um Quarterback. Para o ouvinte que não conhece Futebol Americano, Quarterback é o principal jogador de um time. Ele é o cérebro do ataque, normalmente a estrela maior. É o jogador que pensa as jogadas e decide o que fazer. Um time pode ter os melhores jogadores do mundo, mas se o Quarterback não for bom, eles não ganham nem de um time amador. Então era estranho um time fazer uma escolha tão estranha de um jovem que não havia chamado a atenção de nenhum olheiro e não seria escolhido por nenhuma outra equipe.

E porque estamos falando disso? Porque o nome desse jogador é Tom Brady, que no Brasil é mais conhecido como marido da Gisele Bündchen e hoje, depois de 6 títulos do Super Bowl, é considerado o melhor jogador de toda a história do esporte e continua a melhorar suas marcas, já que com 42 anos, apresenta o mesmo nível de desempenho de quando era jovem. E o Patriots fez esse mesmo tipo de escolha ousada que deu certo com diversos outros jogadores nesses últimos quase 20 anos. Como eles conseguem ver aquilo que ninguém vê? Porque eles usam a extensa ajuda de um enorme time de estatísticos que analisa os jogadores universitários que melhor vão se encaixar no time e em que momento do jogo. Em um esporte altamente estratégico como o futebol americano isso faz uma grande diferença.

Patrícia diz: Na NBA, um dos primeiros times a adotar esse tipo de estratégia foi o San Antonio Spurs, que usou a estatística no início para saber qual a melhor jogada de arremesso em cada momento do jogo e em cada posição da quadra. Será melhor tentar um arremesso de três pontos ou dar um passe a mais e ir um arremesso de dois pontos, com menor chance de erro? Fazendo assim, eles aprimoraram a média dos arremessos de longa distância e chegaram às finais da liga algumas vezes no começo deste Século, conquistando 3 títulos desde então. Mais do que eles, fizeram o Golden State Warriors, que hoje usam a estatística em todo o seu planejamento de jogada, chegando à final nos últimos 5 anos, vencendo 3 títulos.

O que a gente quer dizer aqui é que o time vencedor é aquele com os melhores cientistas? Claro que não, mas em competições de alto nível, a ciência pode ajudar a obter o melhor desempenho de seus atletas, enfatizar as melhores qualidades de cada um, prevenir lesões, etc. No nosso futebol já existem iniciativas assim, mas a maioria ainda se restringem à área de preparação física. Só que cada vez mais os estatísticos e cientistas de dados vão ganhando seu espaço nas decisões estratégicas dos principais esportes do mundo.

Em Outras Áreas

Márcio diz: E isso não se limita apenas às áreas que a gente falou. O uso de estatística para prever o futuro e melhor se preparar para ele é bem mais amplo do que se imagina. E aqui fica um aviso que não vamos abordar neste episódio a parte de Previsão do Tempo porque esse assunto é por si só complicado demais, então a gente achou melhor ele ter um episódio exclusivo mais para a frente.

Patrícia diz: Falando então de outras áreas, a gente consegue usar a estatística e a probabilidade para melhor calcular o impacto ambiental de uma obra, projetar qual será o aquecimento do planeta nas próximas décadas, saber como serão as próximas colheitas, etc. Aliás, a agricultura é uma área que cada vez mais começa a usar estes conhecimentos para melhorar a produtividade. Até mesmo na área de energia a gente consegue usar bastante isso. Não é, Igor?

Igor conta sua experiência na Pensylvania Eletric Company.

Márcio diz: Na economia, por exemplo, a gente usa esses conhecimentos para saber o impacto a curto, médio e longo prazo de determinadas medidas macroeconômicas, prever o valor do câmbio, o preço de determinadas ações, onde e como investir, etc. Claro que essas previsões nem sempre são perfeitas. Na verdade, na maioria das vezes elas não são, mas isso é porque a economia, assim como o clima, segue de certa forma as leis da Teoria do Caos, que, aliás, também terá um episódio exclusivo em breve. Então, segundo essa teoria, uma pequena alteração hoje vai se acumulando, de pouquinho a pouquinho, gerando uma diferença enorme no final. É como se, simplificando de forma bem grosseira, uma margem de erro de 0.5% fosse se acumulando dia-a-dia e depois de um ou dois anos passa dos 100%, fazendo sua previsão ser menos exata do que o chute de uma cartomante. Mesmo assim, a gente aprende com esses erros e os modelos construídos se tornam cada vez melhores. É como aprender a patinar no gelo. Você só vai chegar à perfeição depois de muitos tombos.

Da mesma forma que a gente aqui no Intervalo de Confiança, entre erros e acertos vai aprimorando este podcast cada vez mais para melhorarmos nossa qualidade a cada programa.

Tem gente que fala até que a probabilidade nem ciência é, que ela na verdade não passa de uma forma de medir nosso desconhecimento. Isso até faz certo sentido. A gente fala que a chance de uma moeda cair de um determinado lado é de 50% porque a gente não consegue controlar com precisão cada movimento ao lançar a moeda, baseado na altura de lançamento, umidade e densidade do ar, direção e velocidade do vento, tipo e peso da moeda, presença ou não de sujeira e suor, etc. Se a gente conseguisse com precisão absoluta entender e controlar todas essas variáveis, a gente poderia jogar uma moeda de uma forma que sempre caísse do lado desejado. Da mesma forma com um jogo de dados, corrida de cavalos, etc. Como a gente não sabe, o que nos resta é imaginar futuros possíveis e calcular a chance de cada um deles acontecer.

Igor diz: E com essas palavras chegamos ao fim não do programa ainda, mas pelo menos do tema principal do episódio de hoje que foi sobre a ciência de adivinhar o futuro ou uma dessas ciências que a gente chama carinhosamente de probabilidade.

Quadro Desvio Padrão

Igor diz: É isso então, gente. Agora nós chegamos na hora do quadro Desvio Padrão. Para quem ainda não sabe, este quadro é um prêmio dado a cada episódio para algum dado que foi divulgado  ou interpretado de forma errada, ou distorcido ou onde a parte científica foi ignorada e isso gera ou um exagero do que está sendo mostrado ou mesmo mostra algo que é completamente mentiroso.

Márcio diz: E neste episódio, o Troféu Desvio Padrão de hoje vai para alguns sites de notícias, especialmente o português ”Volta ao Mundo” que deturparam um estudo da NorthWestern University no estado americano de Illinois sobre envelhecimento saudável, que em inglês é referido pelo termo Super Aging. Este estudo tem alguns problemas de amostragem, mas basicamente ele tentava entender que fatores ajudam a pessoas idosas a terem uma menor perda cognitiva conforme iam envelhecendo. Eles investigaram várias questões como convívio social, nível educacional e de renda, acesso a cultura, alimentação, prática de atividades físicas e, e aqui vem o problema, se a pessoa tem o hábito de viajar com frequência.

E aí o que a imprensa faz? Ignora quase todo o estudo e publica uma matéria com o seguinte título: “Estudos dizem que viajar pode ser o segredo para uma vida mais longa”. A matéria até chega a citar o exemplo de uma idosa estadunidense que viaja por diversos lugares do mundo e está saudável e ativa mesmo com quase 90 anos de idade. E isso não tem nada a ver com o estudo em questão.

Patrícia diz: Essa matéria tem vários problemas. Primeiro, que ela ignorou toda o resto do estudo e ficou apenas na questão de viagem que no próprio estudo é colocado como algo de uma importância bem menor. Além disso, o título é bem sensacionalista e mesmo errado. É até um erro grosseiro de interpretação de texto. Quando eu falo que o título é sensacionalista, é porque ele diz que viajar é o segredo de uma vida longa. Usando essa palavra segredo para dar uma ênfase que não está no estudo e que denota uma relação de causa e efeito, ou seja, que se você passar a viajar mais, então vai ter uma vida mais longa. Só que isso não é verdade. E quanto ao erro de interpretação de texto, está no fato de eles falam que isso se relaciona a viver mais. Só que o estudo citado em momento algum avalia longevidade. O que eles estudam é a menor perda de função cognitiva. Ou seja, é uma pessoa chegar aos 80 anos com a mesma lucidez e memória, na média, de uma pessoa com 50 anos. Ou seja, o estudo é sobre qualidade de vida e não quantidade.

Lendo o estudo em si, e a gente fez isso, claro, você vê que nos diversos artigos que os pesquisadores publicaram, eles verificam que uma vida social ativa e a manutenção de atividades cognitivas como ler, ver filmes, etc, são os que possivelmente mais estão relacionados com um melhor envelhecimento. A questão da viagem seria apenas uma consequência de outro fator, neste caso, econômico.

Pensem aqui comigo, uma pessoa que viaja muito possivelmente tem uma situação financeira melhor. Ou seja, ela possivelmente passou uma vida se alimentando todo dia, teve acesso a bons médicos e bons tratamentos, possivelmente tem um bom acesso a cultura, teve que desempenhar um trabalho menos braçal e de menor risco à saúdes, essas coisas. Você vai somando isso ano após ano, essas coisas se acumulam ao final. Então o site, por ser um veículo especializado em turismo, além de outros sites com o mesmo tipo de conteúdo e público-alvo, deturpou o estudo para tentar convencer as pessoas que se elas viajarem mais, elas vão viver mais tempo.

Igor diz: Pois é, isso me lembra até um estudo de uns anos atrás que dizia que chocolate faz bem à saúde. E eles ainda analisaram que marcas fazem mais bem à saúde e a Hersheys ficou em primeiro lugar. Legal, mas o estudo foi patrocinado pela própria, veja só… Hersheys.

Então, por essa deturpação dos fatos safada, é que damos o prêmio a esta matéria do site Viagem ao Mundo, matéria essa assinada por Tiago Daniel e, em extensão aos demais sites que repercutiram esse mesmo texto. Parabéns, pessoal, vocês fizeram por merecer este prêmio!

Não se esqueça de que você também pode enviar sua sugestão para o quadro Desvio Padrão através das nossas redes sociais ou do e-mail contato@intervalodeconfianca.com.br. Se sua sugestão for escolhida, nós citaremos seu nome no episódio.

Quadro Espaço Amostral

Igor diz: E chegamos ao final do episódio. Só que antes de encerrar, nós entramos agora no quadro ESPAÇO AMOSTRAL, onde cada um indica alguma coisa bacana que esteja vendo, lendo ou jogando. Vamos começar então pelo nosso editor. Márcio, o que você indica para nossos ouvintes?

Indicação do Márcio:

— Livro “A Revoada dos Galinhas Verdes” – Fulvio Abramo

Indicação da Patrícia:

  • Jogo Mario Kart, no celular
  • Série Criminal Netflix

Indicação do Igor:

  • Livro Money Ball
  • Podcast Robot Or Not

Author: Igor Alcantara

Cientista de Dados, professor e podcaster. Com mais de uma década de experiência trabalhando com dados, atualmente reside em Boston - MA com sua família e uma gata.