Variância III – O Caminho Democrata para Derrotar Trump

Este é o Variância, um Spin-off do podcast Intervalo de Confiança, com periodicidade igualmente quinzenal. Este programa é mais curto e tem por objetivo trazer notícias ou curiosidades sobre algum assunto relacionado à ciência e jornalismo de dados ou sobre algum dado específico. Por ser mais curto, tanto a edição e conteúdo são mais simples e mais diretos.

Neste programa, Márcio Moraes analisa a atual situação política dos Estados Unidos bem como o que dizem as pesquisas e, baseado nelas e em análises de ciência política, quais os caminhos viáveis para que o Partido Democrata volte à presidência da maior potência bélica do mundo.

Apresentou este episódio Márcio Moraes, que também fez a edição. A vitrine do episódio foi criada por Diego Madeira.

As imagens usadas na Vitrine do episódio, com exceção da marca Intervalo de Confiança, foram extraídas do site pexels.com.

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Transcrição

Esta transcrição foi feita por Karla Braga e é uma reprodução fiel ao que foi dito no episódio. A narração do episódio é de Márcio Moraes.

Olá, pessoal. Eu sou o Márcio Moraes e esse é mais um Variância. O Variância é o spin off do Intervalo de Confiança. Neste episódio, eu vou falar um pouco sobre o caminho democrata para derrotar o Donald Trump. Primeiramente, eu gostaria de retornar um pouco à eleição de 2016. Muita gente sustenta que nessa eleição os institutos de pesquisas erraram clamorosamente, opinião da qual eu discordo. Vamos ver alguns números:

O resultado final da eleição foi 48,2% dos votos para Hillary e 46,1% dos votos para o Donald Trump, dando uma diferença de quase três milhões de votos. A média das pesquisas apontava uma vantagem para a Hillary Clinton de 45,5% a 42,2% para o Trump. Então, apontava uma diferença de 3,3%. E o resultado oficial deu 2,1%. Esse 1,2% está bem na margem de erro normal que é considerada em pesquisas de nível nacional.

Todo o problema é que os Estados Unidos adotam o [método de] colégio eleitoral, o que algumas vezes já causou graves distorções. Por exemplo: em 2000, o Al Gore teve 500 mil votos a mais que o Bush e também não levou. E agora a Hillary Clinton teve mais de 3 milhões de votos a mais e não foi eleita.

O que definiu a eleição? Basicamente foram três estados: a Pensilvânia, que tinha 20 votos eleitorais, Michigan, que tinha 16 votos e Wisconsin, que tinha 10 votos. A diferença entre Donald Trump e Hillary Clinton nesses três estados fundamentais foi de aproximadamente 107 mil votos em favor do Donald Trump. Isso representa 0,079% do total de votos válidos. Então, veja só como que o colégio eleitoral é capaz de distorcer a votação popular. A Hillary teve uma vantagem considerável no voto popular, mas, por conta de 107 mil votos, define a eleição para o Donald Trump em um percentual dos votos válidos irrisório. Foram 139 milhões de votos válidos aproximadamente e esse diferença de 0,079% no total de votos válidos dá a vitória ao “laranjão” Donald Trump.

Agora passando para as primárias democratas, até o momento temos 18 pré-candidatos, já deu uma enxugada, já chegou a ter 24 candidatos. Nas primárias democratas estarão em jogo 3.200 delegados mais 565 superdelegados. Os 3200 delegados serão eleitos em 57 primárias e divididos de forma proporcional. Se num estado estiverem em jogo 100 delegados, será dividido da seguinte forma: quem tiver 25% dos votos terá 25 delegados, quem tiver 20% dos votos terá 20 delegados e assim por diante. É diferente do que acontece nas primárias dos republicanos: o candidato que vence o estado ele leva o total de todos os delegados. São 57 primárias e você “Ah, mas tem 50 estados nos Estados Unidos?” É que os democratas levam em conta também alguns territórios, como, por exemplo, o caso mais notório é Porto Rico. Mas também tem delegados nas Ilhas Virgens, em Guam. E também tem os delegados dos democratas que estão fora do país; são treze.

As primárias começam no dia 03 de fevereiro e terminam no dia 06 de junho. A primeira primária será em Iowa. E a convenção democrata que vai oficializar o candidato à presidência em 2020 será nos dias 13 a 16 de julho. Vai ter uma novidade nessas primárias democratas. Antes os superdelegados já poderiam estar apoiando um candidato mesmo antes do começo das primárias, o que dava uma ideia de uma vantagem normalmente para o candidato ligado ao establishment partidário. Dessa vez, não vai acontecer assim. A partir de agora, esses superdelegados, que é um grupo que inclui legisladores, governadores e ex-presidentes, não poderão votar na convenção que fecha o processo de primária do partido, a não ser que se registre o empate entre os pré-candidatos democratas. Como eu já falei, são 3.200, então é quase impossível que aconteça um empate e que os superdelegados votem.

Essa figura dos superdelegados foi criada em 1982 a fim de dar mais peso aos dirigentes e às elites do aparelho do partido na hora de decidir o candidato. E nos últimos anos, vinha recebendo críticas da ala mais à esquerda do partido. É o que aconteceu em 2016: no voto popular, a diferença entre a Hillary Clinton e o Bernie Sanders foi mais ou menos 55 a 45 pró Hillary Clinton, mas, como os superdelegados, a grande maioria, estavam apoiando a Hillary Clinton, deu a ideia de uma diferença maior. E isso acaba, no curso das primárias, causando uma impressão que não é a que está se verificando diante do voto popular. Então essa ala mais à esquerda do partido democrata, e sobretudo dos democratas socialistas, que são mais ligados ao Bernie Sanders, provocou essa mudança.

E como estão as pesquisas até agora? Tem um candidato, que é o Joe Biden, que claramente é o candidato do establishment partidário, que desde o início vem pontuando nas pesquisas, oscilando entre 35 e 30%, mas que agora ele está experimentando uma baixa, índices mais baixos, entre 27 e 25% dos votos nessas pesquisas, na média.

Tem o Bernie Sanders, que vem com o recall da primária anterior (de 2016), mas que vem perdendo espaço para a senadora Elizabeth Warren, de Massachusetts, que, nas últimas pesquisas passou o Bernie Sanders, e em algumas pesquisas ela já vem bem próxima do Joe Birden, com empate técnico. Na última que eu vi, ela estava com um ponto na frente. Mas são pesquisas muito diversas, com metodologias diferentes e não dá pra precisar quem está na frente realmente, até porque conta mais a pesquisa no estado do que o voto nacional. Pesquisas em Iowa, que é o primeiro caucus, ela também já aparece na frente do Joe Birden.

Mas tem muita água pra rolar na ponte, faltam quatro meses para a largada das primárias, então pode acontecer muita coisa. O que é que eu acho? O partido Democrata tem duas estratégias a seguir. Uma estratégia, que seria a do establishment, que prefere a candidatura do Joe Birden, que seria a candidatura mais conservadora do partido democrata. Além de ter sido vice-presidente e ser conhecido, ele poderia, pelo perfil ideológico dele, arregimentar fotos de independentes mais conservadores e até mesmo de republicanos insatisfeitos com o Donald Trump. Só que tem um porém essa estratégia: aparentemente é uma candidatura que não empolga os jovens, que, majoritariamente, estão se alinhando com os setores mais à esquerda do partido democrata, e também não empolga mulheres e negros, que são também uma parcela importante do voto democrata nas últimas três eleições pelo menos.  

A outra estratégia é aparecer com uma candidatura que não seja chancelada pelo establishment, mas que seja chancelada pela base partidária e que jogaria um pouco mais o partido para a esquerda, para uma plataforma mais progressista, que aí estaria encarnada na candidatura do Bernie Sanders e um pouco menos na candidatura da senadora Warren. O Bernie Sanders está perdendo terreno para a senadora Warren e pode ser que a senadora seja um meio do caminho entre o Joe Birden e o Bernie Sanders, mas também ela pode enfrentar uma questão parecida com a da Hillary Clinton, que é o machismo, a misoginia, por parte do eleitorado que claramente o Donald Trump vai explorar, já que ele não tem nenhum escrúpulo de fazer esse tipo de coisa.

A meu ver, o Donald Trump considera o Joe Birden o candidato mais difícil de bater, justamente pelo perfil do Birden que eu expliquei anteriormente, até mesmo por ser uma candidatura mais parecida com o próprio Donald Trump. Isso fica claro nessa questão que ensejou o pedido de impeachment pelos democratas da casa de representantes, que é o caso em que ele pede uma investigação ao presidente da Ucrânia sobre o filho do Joe Birden. Então não é de graça que o Donald Trump faz aquela conversa nada republicana com o presidente ucraniano. Ele enxerga que é o candidato mais difícil de ser batido. Com o Joe Birden, dificilmente ele [Donald Trump] vai conseguir colocar um discurso de que o Birden é socialista, essas coisas que ele vem ensaiando, até mesmo no discurso da ONU, quando ele falou da ameaça socialista e se referiu em vários momentos com termos dignos da Guerra Fria.

Eu acredito que ele prefere uma candidatura do Bernie Sanders, que aí colaria de vez a questão da esquerda, do progressismo e da ameaça socialista nos Estados Unidos. A gente sabe que o Bernie Sanders não é socialista, é no máximo um social-democrata. E com a Elizabeth Warren, ele poderia usar dos mesmos jogos que utilizou com a Hillary Clinton: o machismo, a misoginia, aquela coisa escrota que ele de forma contumaz exerce e faz sem nenhum pudor.

Nas pesquisas de nível nacional, a última pesquisa que saiu da Fox News, que não pode se dizer que é um instituto de pesquisa que vai manipular a pesquisa a favor dos democratas, o Trump apareceu com um teto de 40%, que é bem ruim. Em relação ao Birden, ele apareceu com 14 pontos de desvantagem; em relação ao Sanders, 8 pontos; em relação à Warren, 6 pontos; em relação à Kamala Harris, que também é uma candidata que poderia vir como uma quarta força, pra ameaçar o Sander e a Warren, mas ela se enfraqueceu. Mesmo ela aparece dois pontos na frente do Trump. Vamos ver o que acontece. É uma questão bem peculiar do Trump. Se ele fosse um candidato à reeleição normal, sendo que a economia estadunidense passa por um bom momento, desemprego baixo, a eleição dele estaria garantida praticamente. Mas como ele é um candidato de polarização, que tem muita rejeição, a desaprovação dele é maior do que a aprovação, então essa reeleição não é garantida. Vai depender muito do que acontecer nas primárias dos democratas e também há quem diga que a economia vai sair dos trilhos a partir do ano que vem e isso talvez possa implicar também no cenário eleitoral. A meu ver não é uma reeleição garantida pro Donald Trump. Vai depender muito do que os democratas fizerem nessas primárias e também agora com essa questão do impeachment, que pode ser um grande tiro no pé, se não ficarem comprovadas coisas além da transcrição que já foi divulgada. Quero acreditar que a Nancy Pelosi e os democratas da casa dos representantes tenham mais coisas consistentes contra o Donald Trump porque se não seria uma jogada política desastrada, que beneficiará o Donald Trump e a sua reeleição em 2020.

Então é isso. Acredito que há chances dos democratas ganharem a eleição. Eu prefiro uma candidatura mais progressista, como a do Bernie Sanders, mas também entendo que pragmaticamente o Joe Birden tem um potencial de votos considerável, está mostrando nas pesquisas, e é um candidato que pode vir pelo centro, centro-direita e arrancar alguns votos importantes dos estados-pêndulos e vencer a eleição. Então vamos ver. Vai ser uma eleição interessante, quente, vai ter implicação aqui para nós do Brasil, já que o Donald Trump, não é novidade pra ninguém, é um ponto de apoio do “bolsolavismo” em nível mundial também, com o movimento Steeve Bannon e todas as suas movimentações não só na América Latina como na Europa. Então é isso, galera. Acesse o site do Intervalo de Confiança e até a próxima.

Author: Igor Alcantara

Cientista de Dados, professor e podcaster. Com mais de uma década de experiência trabalhando com dados, atualmente reside em Boston - MA com sua família e uma gata.