Pauta – 03 – Nicolas Cage faz as pessoas se afogarem em piscinas?

Esta não é uma transcrição fiel ao que foi dito no episódio, mas uma transcrição detalhada da pauta, o que normalmente equivale a 90% do que foi dito no episódio.

Esta pauta foi feita por Igor Alcantara. A vitrine do episódio foi feita por Diego Madeira. O episódio foi apresentado por Nicolli Gautério e participaram Igor Alcantara e Patrícia Balthazar .

O episódio começa com a vinheta Intervalo de Confiança. A trilha foi composta por Rafael Chino. A voz da vinheta é de Letícia Daquer. A voz com os créditos, ao final do episódio, é de Mariana Lima.

Bloco de Apresentações

Nicolli diz: Olá, estamos começando mais um Intervalo de Confiança, o seu podcast de ciência e jornalismo de dados, uma distribuição uniforme de pensamento crítico. Esse é o nosso episódio número três e eu começo com algumas perguntas:

Investir em ciência causa mais suicídios?
O consumo de margarina é uma das principais causas de divórcio?

E, principalmente:

É verdade que quanto mais o Nicolas Cage aparece em filmes, mais pessoas morrem afogadas em piscinas?

Para entender e responder a estas e mais perguntas, estão aqui comigo hoje

Igor se apresenta.

Patrícia se apresenta.

Nicolli diz: O episódio começa logo depois dos nossos recadinhos.

Bloco de Recados

Igor diz:

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Bom, vamos então para o episódio de hoje.

Bloco Introdutório

Nicolli diz: Quem nunca se deparou com alguma mensagem raivosa dizendo “Olha só, o IBGE ou Datafolha ou qualquer sistema sério de pesquisa está mentindo! Eles falam X, mas nessa enquete da Internet mostra o oposto”? E então, o que falar para essa pessoa? Esse resultado coletado faz algum sentido? O que ele indica? Os institutos de pesquisa estão mesmo mentindo?

Nós começamos o episódio de hoje com uma pergunta, que inclusive é o título deste episódio…

Igor começa a tossir.

Nicolli diz: Tudo bem aí, Igor?

Igor diz: Está sim, só minha garganta que está um pouco ruim.

Patrícia diz: Ah, eu vou te passar um remédio então que é ótimo pra isso. É um remédio homeopático maravilhoso.

Igor diz: Ah, obrigado, eu já tomo bastante água. O que, no final é a mesma coisa.

Nicolli diz: Alguns ouvintes devem estar se perguntando agora: ué, mas vocês estão querendo dizer que homeopatia não funciona? Eu conheço várias pessoa que se curaram por homeopatia.

Patrícia diz: Então, homeopatia não funciona. Pode até ser que muita gente se cure ao usar homeopatia, mas essas pessoas também se curariam da mesma forma se não tivessem usado homeopatia. Já está mais do que provado que não existe uma correlação forte entre homeopatia e cura na maioria dos casos e mesmo nos raros casos onde há uma boa correlação, a cura não foi por causa da homeopatia.

Nicolli diz: No entanto, o episódio de hoje não é sobre homeopatia, mas sobre esse sentimento comum que temos ao associar duas coisas diferentes como: homeopatia e cura, o calo da sua tia doer e cair um temporal ou entre Nicolas Cage atuar em um filme e mais pessoa morrerem afogadas. Nós estamos falando de correlação.

O que é Correlação

Patrícia diz: Antes de explicar o que é correlação, vamos falar um pouco sobre um conceito mais primordial que será abordado muitas vezes nesse podcast que é o conceito de variável. Variável em estatística não tem o mesmo significado que em outras áreas, como na programação. Variável é basicamente qualquer característica ou número que pode ser medido ou contato.

Então, por exemplo, se você está analisando os dados de uma pessoa, possíveis variáveis são a idade, peso, cidade onde mora, renda mensal, sexo, cor da pele, altura, etc.

Entendendo então o que é uma variável, a gente pode dizer que correlação é basicamente uma medida do quanto a variação de uma variável Y qualquer pode ser explicada por uma variável X.

Oi? Como assim?

Vamos lá explicar melhor. Imagina que eu tenho uma sorveteria em alguma cidade do litoral. Só que a quantidade de sorvete que eu vendo todo dia não é a mesma. Tem dia que eu vendo muito sorvete e tem dia que não vendo quase nada. Aí tem um dia qualquer que eu leio o jornal e descubro que três pessoas foram atacadas por tubarão em uma praia próxima. Nesse mesmo dia minhas vendas disparam. Aí eu penso: “será que uma coisa tem a ver com a outra?”

Daí eu, como uma pessoa que adora dados, e não só os de RPG, faço o seguinte:

Pego meu caderninho e anoto todo dia quantos ataques de tubarão foram reportados e quantos sorvetes eu vendi. Para minha surpresa, sempre quando tem ataque de tubarão, eu vendo mais! Ou seja: minhas duas variáveis: ataques de tubarão e vendas de sorvete tem uma correlação alta.

Mas alta quanto? Dá para medir isso?

Igor diz: Olha, dá sim! Existem diferentes formas de se medir isso, mas aqui a gente se baseia numa fórmula chamada Coeficiente de Pearson. A gente não vai explicar a fórmula aqui porque ela é um pouco complicada, mas o nosso ouvinte pode ver essa fórmula explicada no post deste episódio e também no nosso Instagram. Aliás, é sempre aconselhável ouvir nossos episódios com o Instagram aberto para você ir acompanhando.

Então, esse tal coeficiente retorna para gente um índice que varia de -1 a +1. E a ideia é que quanto mais longe de zero, maior a correlação. Vamos entender isso com alguns exemplos hipotéticos.

Digamos que no caso dos ataques de tubarão e sorvete a gente calculou a correlação e deu, por exemplo: 0.83. O que isso quer dizer? Bom, se a gente converter isso para uma porcentagem, dará 83%. Isso quer dizer que existe uma correlação de 83% entre ataques de tubarão e vendas de sorvete segundos os meus dados. Ou, eu posso dizer de uma outra forma assim: Explica-se 83% da variação na venda de sorvetes entendendo-se a variação no número de ataques de tubarões.

Vamos ver outro exemplo? Digamos que agora eu analise a temperatura com número de casos de resfriado. Aí eu percebo que há uma correlação de, vamos chutar um valor aqui, -79%.

Agora temos um valor de correlação negativa. O que isso quer dizer?

Quer dizer que a correlação é alta, de 79%, mas em uma direção oposta. Ou seja, quando uma variável cresce, a outra diminui e vice-versa. Ou seja, quanto maior a temperatura, menos casos de resfriado e quanto menor a temperatura, mais casos são diagnosticados.

Bom, então isso é o que significa correlação e correlação pode ser medido.

Correlação não é causa

Nicolli diz: Agora que a gente sabe o que é correlação, basta a gente ter os dados certos e conseguimos explicar o mundo, não é? Sabendo que, por exemplo, a correlação entre aparições do ator Nicolas Cage em filmes e afogamento em piscinas nos Estados Unidos é de cerca de 66%, e isso é um número real, eu posso prevenir várias mortes apenas banindo este ator do cinema!

Patrícia diz: Ou melhor ainda, sabendo que a correlação entre investimento em ciência e suicídios por sufocamentos é de, pasmem, 99%, eu posso banir a ciência e salvar vidas!

Igor diz: Ainda mais, sabendo que a correlação entre pessoas que morrem acidentalmente enforcadas pelo próprio lençol e o consumo de queijo per capita é de 94%, eu posso também proibir queijo e salvar vidas.

Certo?

Nicolli diz: Não! Essas correlações citadas são reais, mas um mantra que é comum entre cientistas é de que Correlação não é causa! Repita comigo três vezes: Correlação não é causa, correlação não é causa, correlação não é causa.

O fato de que duas coisas acontecem juntas em uma taxa muito próxima não quer dizer que uma é a causa da outra. Então muito cuidado que isso é usado muitas vezes para te enganar e te fazer tirar conclusões erradas.

Inclusive, essas correlações que não estão relacionadas a uma causa tem um nome: Correlações Espúrias.

E, claro, os exemplos que a gente citou aqui são absurdos, mas no seu dia-a-dia você pode encontrar exemplos bem menos óbvios e fatalmente a gente pode cair em uma pegadinha.

Patrícia diz: Quer um exemplo: a correlação entre o número de carros japoneses vendidos nos EUA e pessoas que se suicidam jogando o carro contra algum alvo é de 93.57%! E é também alta a correlação entre carros japoneses vendidos no Japão e suicídios no Japão! Uma pessoa mal informada ou mal intencionada pode usar isso para fazer o público acreditar que deve-se impor restrições à venda de carros japoneses.

Quer um outro exemplo? Esse bem famoso. Nos anos de 1970 e 1980 várias cidades dos Estados Unidos como Nova York, Los Angeles, Chicago e Boston enfrentavam índices alarmantes de violência. A população vivia com medo, a brutalidade policial aumentava, mas nada parecia resolver. Aí na década de 1990 esses números começaram a cair drasticamente.

E o que aconteceu? Vários políticos, de prefeitos, governadores até o presidente Bill Clinton, diziam que foi com muito esforço e ações X, Y e Z que foi possível reduzir este crime. Acontece que um grupo de cientistas, especialmente economistas, foram investigar o caso e descobriram que essa redução estava mais relacionada a um fato que aconteceu na década de 1970. Nessa época, vários estados legalizaram o aborto. Sendo assim, várias mulheres, especialmente pobres, optaram por não ter um filho não planejado num determinado momento. Esses filhos indesejados que teriam uma educação precária e teriam mais chance de se tornar criminosos não nasceram e, portanto, menos crime aconteceu.

E isso mostra uma grande armadilha sobre correlações espúrias. É muito comum você ouvir um político falar algo como: “no meu governo o desemprego caiu x%”. O que ele quer fazer você pensar é que “por causa do governo dele, o desemprego caiu x%”, mas isso não necessariamente é verdade. Que ações de fato foram tomadas para isso? Será que essa já não era uma tendência antes? Será que sem este governo essa queda não teria sido ainda maior?

Enfim, correlação é muito importante para entender como duas variáveis estão relacionadas, é um ponto importante para se começar um estudo, mas não é uma forma de se estabelecer causa e efeito.

Bom, e qual é então?

As 4 causas Aristotélicas

Nota da transcrição: Nesta parte do episódio Nicolli comenta sobre as quatro causas aristotélicas. Um resumo encontra-se abaixo:

Aristoteles procurava estabelecer e sistematizar a lógica. Foi ele que resolveu dividir os estudos em áreas do conhecimento. Assim, nascem as noções de metafísica, onde ele considera que para tudo há uma causa, a partir do primeiro motor imóvel, primeiro impulso do mundo. As causas são divididas em: material que é sobre o material que é constituído o objeto de análise, formal que considera o formato físico e conceitual, final que é sobre o objetivo e eficiente que é a que originou o objeto.

Como Estabelecer Causa

Nicolli diz: A gente viu então uma das visões da filosofia sobre a causa das coisas, mas voltando para a estatística, como é que a gente estabelece uma relação de causa e efeito entre duas ou mais variáveis?

Patrícia diz: Bom, primeiro, a gente precisa estabelecer o que chamamos de Precedência Temporal, ou seja, a causa precisa ter acontecido antes da consequência. Esse ponto parece óbvio, mas nem tanto. Vamos dar um exemplo: existe uma forte correlação entre depressão e abuso de bebidas alcóolicas, mas o que acontece antes: a pessoa entra em um quadro de depressão e depois começa a beber mais ou a depressão é agravada por um consumo exagerado de bebida? Observando as pessoas à sua volta, você pode encontrar ambos os casos, então qual é a regra e qual é a exceção? Encontrar o que, como regra, acontece antes, é o primeiro passo para estabelecer a causa.

Igor diz: Estabelecida a relação temporal, você precisa verificar se não existe nenhuma Variável de Confusão ou Variável Cofundidora. Hein? Mas o que é isso? Variável de confusão é uma variável que influencia tanto a variável X quanto a variável Y. Ele pode ser a causa conjunta de X e Y e, quanto você analisa apenas X e Y, você acaba achando uma Correlação Espúria.

Quer um exemplo? Vamos voltar ao caso da correlação entre ataques de tubarão e venda de sorvete. Analisando essas duas variáveis apenas, parece que uma pode ser a causa da outra, só que quando a gente procura uma variável de confusão, a gente encontra a Temperatura Ambiente. O que acontece aqui é que, quanto mais alta a temperatura, mais as pessoas tendem a ir à praia e à entrar na água, estando mais sujeitas a um ataque de tubarão. Ao mesmo tempo, quanto mais quente, mais as pessoas compram sorvete. Em outras palavras, quando A e B apresentam uma forte correlação, pode ser que um outro fator C seja a causa dos dois e não um a causa do outro.

Por causa disso, uma forma de se estabelecer relação de causa e efeito é conduzir um experimento. Nesse experimento, você tenta isolar todas as outras variáveis e manipular apenas a variável X que você está estudando e ver se isso tem um efeito em Y. Vamos ver um exemplo?

Digamos que um grupo de pesquisadores elaborou um novo e incrível método de se ensinar matemática e eles querem ver se ele de fato melhora o desempenho dos alunos. O que eles fazem? Selecionam uma amostra de alunos, de vários tipos, aplica um teste antes de introduzirem esse método e outro depois. Aí eles medem a diferença e verificam se de fato houve uma melhora.

Nicolli diz: Concluído então?

Patrícia diz: Não! Pode ser que uma variável externa tenha influenciado no resultado. Por exemplo: alguma série na TV que os participantes assistiram, por exemplo. O que a gente faz então? Criamos dois grupos e não apenas um: um grupo a ser estudado e outro grupo de controle. No caso do grupo de controle, você aplica o mesmo método atual, ou seja, por padrão, não é esperada nenhuma diferença entre eles. No final, você compara não apenas se o grupo de estudos teve um desempenho melhor depois do experimento, mas se o grupo de controle não sofreu o mesmo tipo de melhora.

E isso vale para quase tudo. Desde testar métodos de ensino a testar novos medicamentos, por exemplo. Só que uma coisa é importante: as pessoas de cada grupo, e algumas vezes até o pesquisador, não podem saber se eles estão no grupo de estudo ou de controle, porque isso pode mudar atitude deles e influenciar no resultado. Precisa ser o que a gente chama de teste cego.

Bom, no final, você encontrou uma diferença. E aqui não importa a diferença individual, mas a média total. Nesse caso, digamos que, por exemplo, no grupo de controle os alunos tiveram uma nota 5% maior e no grupo de estudo a nota foi 15% maior. A gente pode afirmar então que o grupo de estudo melhorou de fato mais que o grupo de controle?

Ainda não! Calma, eu sei, ciência dá trabalho, mas pensa bem: pode ser que este grupo de estudo teria um desempenho melhor mesmo sem esse experimento, por diversos fatores. Pode ser que na hora que escolhi os alunos, eu, sem querer, escolhi alunos que já estavam numa crescente de desempenho. Então eu preciso ver se essa diferença entre 5% e 15% é grande o bastante para eu considerar que ela é estatisticamente significativa.

Como? Bom, aí a gente vai fazer um teste de hipótese, encontrar um tal valor de p e, se ele estiver abaixo de um valor crítico que a gente estabelecer a gente então conclui se a diferença é significativa ou não. Só que isso é um assunto longo e a gente vai falar disso no futuro em um episódio só sobre teste de hipótese.

Nem toda correlação é espúria

Nicolli diz: Neste episódio a gente citou várias correlações espúrias, só que nem toda correlação é espúria. Algumas são até óbvias hoje em dia como a forte correlação entre tabagismo e câncer de pulmão ou de garganta. Ou investimento em educação e crescimento econômico de uma região.

Só que algumas correlações reais parecem até piada, mas possuem um fundo de verdade neles. Mais uma vez, não há aqui uma relação de causa e efeito, já que a correlação apenas indica uma forte associação entre duas variáveis. 

Igor diz: Um exemplo interessante foi teorizado pelo economista Alan Greenspan, que mais tarde se tornaria presidente do Banco Central dos Estados Unidos, mas que nos anos de 1970 era dono e diretor de uma consultoria de economia. Nessa época ele encontrou uma forma diferente de prever em que direção a economia estava caminhando: a taxa de vendas de cuecas.

O que Alan Greenspan percebeu era que uma queda na venda de cuecas era sempre sucedida por uma queda na economia. Isso quer dizer que a venda de cuecas causa uma crise econômica? Não, mas que ela é um indicativo de que as famílias estão com menor poder aquisitivo, portanto decidem cortar gastos. E um dos gastos mais fáceis de se cortar é exatamente uma peça de roupa que ninguém vê.

No final, essa correlação se mostrou verdadeira e até hoje. Nos momentos iniciais da crise de 2008, a venda de cuecas caiu 12%. No começo da recuperação econômica, já no governo Obama, elas subiram 4.8%.

Patrícia diz: Outra correlação estranha é o Índice Hemline. O início desse índice data de 1926 pelo professor e pesquisador George Taylor. O que ele percebeu é que, quando a economia tende a melhorar, o tamanho das saias tende a diminuir e em momentos de recessão, o tamanho das saias aumentam. Isso foi observado várias vezes: com uma fase de crescimento econômico no começo dos anos de 1920 as saias foram ficando mais curtas, mas elas voltaram a crescer com a quebra da bolsa em 29 e com a Grande Depressão que se seguiu, voltando a ficar menores com a retomada econômica nos anos 50 e 60. E até na crise de 2008 esse fenômeno pôde ser observado. As causas disso são incertas e podem ser muitas, desde que uma crise econômica dá força a práticas mais conservadoras até a questòes relacionadas a otimismo.

Por fim, o último caso que vamos citar é o do Índice da Capa da Revista. Tem uma frase comum em Wall Street que diz que “se você está comprando o que a capa da revista está vendendo, então uma caixa de papelão será a sua casa”. O que essa frase e esse índice indicam é que quando uma empresa ou pessoa aparecem com grande destaque na mídia, a tendência é que esta empresa ou personalidade caiam de desempenho. 

Claro que existem exceções, mas essa correlação se mostra bem forte. Três pesquisadores da Universidade de Richmond estudaram por 20 anos os dados de valores de mercado de empresas antes e depois destas terem sido capa de alguma revista de negócios ou economia e perceberam uma correlação de quase -85%! 

As causas disso podem ser diversas, mas é provável que seja pelo fato de que, quando uma revista escolhe uma empresa para ser o destaque de uma edição, essa empresa já está no ápice de seu valor de mercado e a tendência natural é de queda. Inclusive, muitos investidores usam isso como um indicativo e, assim que uma empresa sai em uma revista, eles tendem a vender as ações daquela empresa.

E até nos esportes isso acontece. Qual time não tem ou teve um jogador que faz três gols num jogo, sai em vários jornais e sites e, logo depois, volta a sua mediocridade. E aqui mediocridade está no sentido literal, que significa, na sua média de rendimento.

Viés de Confirmação

Nicolli diz: Depois de tudo o que a gente falou hoje, uma coisa é importante deixar claro. Se não existe um coeficiente de correlação calculado, a gente não pode falar em correlação. Correlação é uma medida estatística, não uma ideia vaga.

Só que existem casos onde a gente vê algo com forte indicativo de correlação e tende a achar que existe ali algum tipo de associação forte.

Por exemplo, quando a gente falou sobre homeopatia e se ela funciona. Existem diversos estudos sérios, onde hipóteses foram testadas diversas vezes e está bem claro para a ciência, já há décadas, de que homeopatia é pseudo ciência, que não funciona.

Só que existem pessoas que podem chegar e falar: “mas a homeopatia sempre funcionou comigo”, assim como todo mundo tem aquele parente que fala “toda vez que meu calo do pé dói é porque vai chover”.

Será mesmo?

Igor diz: Existe aqui uma coisa chamada “viés de confirmação”. Viés de confirmação é basicamente uma tendência natural que cada um de nós tem para dar mais atenção aos acontecimentos que confirmam nossas crenças e ignorar aqueles que contradizem o que a gente acredita.

No caso da homeopatia, o que acontece muitas vezes é que se você acredita que ela funciona, você só vai se lembrar das vezes em que tomou a aguinha deles e ficou bom depois. Ou no caso do calo do pé metereológico, você só vai lembrar das vezes em que choveu depois que ele doeu. Ou quando você vai em uma cartomante e ela fala 20 coisas, acerta no chute umas 7, você volta e fala: “nossa, ela é boa mesmo, ela acertou tudo”.

Patrícia diz: E existem vários exemplos disso, desde a pessoa que fala que sempre que sonha com X, acontece Y, até ao popular “é só eu mudar de fila que as outras filas ficam mais rápidas”.

Então da próxima vez, seja com você ou com um conhecido, faça o seguinte: cada vez que o fenômeno acontecer, independente do resultado, anote. Quando tiver pelo menos umas trinta ocorrências, veja se de fato há alguma correlação ali ou se é o viés de confirmação de pregando uma peça.

Quadro Desvio Padrão

Nicolli diz: E agora nós chegamos na hora do quadro Desvio Padrão. Para quem ainda não sabe, este quadro é um prêmio dado a cada episódio para algum dado que foi divulgado ou interpretado de forma errada, ou distorcido ou onde a parte científica foi ignorada e isso gera ou um exagero do que está sendo mostrado ou mesmo mostra algo que é completamente mentiroso.

E o vencedor do prêmio de hoje é um assunto que tem sido bastante falado e abordado e afeta a vida, literalmente, de todo mundo. Feita essa introdução, o grande vencedor do Troféu Desvio Padrão desta Semana vai para…

Patrícia diz: O site e revista Plant Project que, na sua edição número 05, ainda em Março de 2018, publicou uma matéria com o título “Os Agrotóxicos não vão matar você”. A matéria foi assinada por Nicholas Vital. E o motivo pelo qual o vencedor é uma matéria com mais de um ano é porque este assunto voltou à tona recentemente e muitas vezes os argumentos desta matéria são usados na defesa dos agrotóxicos, que o agronegócio mudou de nome para soar menos perverso e chamam de “defensivos agrícolas”.

No post do episódio há um link para a matéria completa. A gente não vai entrar muito em detalhes porque vocês já sabem à esta altura que a ideia deste quadro é ser apenas um resumo do vencedor do prêmio e não uma discussão detalhada.Por causa disso, nós separamos alguns pontos que justificam este prêmio.

Primeiro, a gente não está aqui dizendo que o uso dos agrotóxicos só trazem malefícios, claro que eles permitiram que a produção de alimentos aumentasse bastante, mas também não é verdade como a matéria deixa a parecer de que todos os agrotóxicos são quase inofensivos. Bom, dito isso, vamos aos principais pontos:

Igor diz: O texto diz: “Os agrotóxicos têm como função proteger a fauna e a flora dos ataques de espécies consideradas nocivas”.

Nicolli diz: Existem vários problemas com essa fala. Claro que os agrotóxicos ajudam a aumentar a produção agrícola matando espécies nocivas às plantas, mas a tal fauna e flora que eles protegem são basicamente as necessárias para essa produção, muitas dessas pragas existem por causa de ações como desmatamento devido à expansão da fronteira agrícola. É como naquele filme do Charles Chaplin em que o personagem do menino quebra janelas e depois o Carlitos aparece vendendo vidros novos.

E mais uma vez: não é uma questão de 8 ou 80. O problema é ignorar que existem vários agrotóxicos que são proibidos no mundo todo e no Brasil estão ou serão em breve liberados para o uso.

Patrícia diz: O texto diz que “Os agroquímicos foram responsáveis por somente 4,53% dos 42.127 casos de intoxicação humana por agentes tóxicos em 2013”.

Igor diz: A ação dos agrotóxicos não é imediata e muitas vezes não direta. O uso dos agrotóxicos possui basicamente três problemas:

1 – Contaminação do trabalhador rural se ele não usar equipamento de proteção adequado. Bom, ok, essa é possível de se resolver.

2 – Contaminação do solo e lençóis freáticos, o que afeta populações de animais e pessoas em um raio grande de distância da lavoura. Uma pesquisa da Universidade Federal do Mato Grosso encontrou contaminação por agrotóxicos no leite materno de mães vivendo em áreas urbanas. Essa contaminação se dá tanto por ação direta no consumo de vegetais tratados com agrotóxicos ou consumo de água contaminada quanto por uma ação indireta pelo consumo da carne de animais contaminados.

3 – A ação mais grave dos agrotóxicos se dá no decorrer do tempo. É o uso contínuo de alguns tipos mais tóxicos de substâncias que vai causar problemas. E, claro, esses problemas não vão aparecer como a causa da morte. A causa da morte será um problema cardíaco, um tumor, etc.

Segundo o Ministério da Saúde, o glifosato é o agrotóxico mais utilizado no Brasil. E o glifosato foi classificado como provavelmente cancerígeno pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer.

Nicolli diz: O texto ainda fala que “A principal causa de intoxicação no Brasil são os medicamentos. Foram quase 12 mil casos apenas em 2013 (28,45% do total)…”

Patrícia diz: Mais ainda o texto completa: “O que fazer diante dessa situação? Proibir a venda de remédios?” Dando a entender que, já que não faz sentido proibir remédios, não faz sentido proibir agrotóxicos.

Aqui o texto usa uma falácia de falsa simetria. Primeiro, o maior risco do agrotóxico não é a pessoa ingerir ele acidentalmente, mas o consumo de alimentos produzidos com ele e de recursos naturais contaminados. Segundo, ninguém está falando em proibir completamente o uso de agrotóxicos, mas em proibir aqueles mais perigosos que já são proibidos em boa parte do mundo. 

Com remédios, usando essa comparação do texto, também é assim. Existem medicamentos proibidos no Brasil e no mundo. Mercúrio, por exemplo, não é mais usado. O que se quer é uma verdadeira regulamentação do uso de agrotóxicos para reduzir seus danos.

Igor diz: Por fim, o texto fala sobre a falta de evidências de que alimentos orgânicos possuem mais nutrientes que alimentos não orgânicos.

Nicolli diz: E aqui vem duas questões: primeiro, o apelo do alimento orgânico em ele ser mais saudável não é necessariamente a presença de mais nutrientes, mas a ausência de veneno. Segundo, por causa da contaminação dos recursos naturais, muitos alimentos orgânicos possuem agrotóxico que veio por meio da água ou mesmo do ar.

Enfim, já falamos demais, então é isso. Parabéns à revista Plant Project pelo merecido prêmio!

Quadro Espaço Amostral

Nicolli diz: E chegamos ao final do episódio. Só que antes de encerrar, nós entramos agora no quadro ESPAÇO AMOSTRAL, onde cada um indica alguma coisa bacana que esteja vendo, lendo ou jogando. Vamos começar então por mim.

A Nicolli indica o podcast Babel, programa quinzenal sobre linguística do Bruno Guide e Cecília Farias.

O Igor indica o filme “Boy Erased”, disponível na Netflix.

A Patrícia indica a série “A Outra Vida”, disponível na Netflix.

Encerramento

Participantes se despedem e fazem suas considerações finais.

Author: Igor Alcantara

Cientista de Dados, professor e podcaster. Com mais de uma década de experiência trabalhando com dados, atualmente reside em Boston - MA com sua família e uma gata.