“A propósito da técnica: é apenas um instrumento de opressão de classe? Basta colocar a pergunta para ter logo a resposta: não, a técnica é a conquista fundamental da humanidade: embora tenha servido como instrumento de exploração é, ao mesmo, condição essencial para a emancipação do explorado. A máquina sufoca o escravo assalariado. Mas este somente pode libertar-se através da máquina”.
Leon Trotsky
Do mesmo modo que a mercadoria oculta uma relação de classes de certo período histórico, a tecnologia é concebida como para se alcançar certos fins, como “ciência aplicada” em equipamentos para potencializar a eficiência na produção de bens e serviços. As transformações tecnológicas que nos é oferecida como politicamente neutra, eterna, a-histórica, sujeita a valores rigorosamente técnicos e, deste modo, não é atingida pela luta de classes, é uma formulação histórico-social. E, assim, como a mercadoria, tende a enuviar as relações de classe dissolvendo-as no conteúdo aparentemente não específico da técnica.
Ao contrário do que é dito pelos próceres do liberalismo, a tecnologia nada mais é que um artifício sócio-cultural e que, por isso, não está livre de influências históricas, políticas, culturais e econômicas. Em última instância, está sujeita à luta de classes, portanto, a tecnologia também desempenha um papel político. A técnica, os processos produtivos administrados, a máquina, robôs com inteligência artificial, enfim, a utilização da técnica não é “neutra” como os arautos do pensamento hegemônico nos querem fazer crer.
A tecnologia, ao majorar a composição orgânica do capital (relação entre capital constante e capital variável) e, concomitantemente, a produtividade no trabalho, também é uma forma de dominação política. Não é difícil notar que a alta composição orgânica do capital está intimamente relacionada com o grau de tecnologia da empresa capitalista. Através da tecnologia, as inovações como a inteligência artificial pode proporcionar o aperfeiçoamento e potencializar a exploração da classe trabalhadora pelos detentores dos meios de produção. As grandes descobertas científicas e tecnológicas aperfeiçoaram os instrumentos de dominação e, com eles, contribuindo desse modo, com a exploração capitalista.
Karl Marx acreditava que a tecnologia abriria novos paradigmas. Não foi, definitivamente um ludita (referência ao movimento de trabalhadores ingleses que no início do século XIX eram contra avanços tecnológicos advindos da primeira revolução industrial), pensou que a emancipação do trabalho assalariado estava relacionada ao controle da técnica capitalista e do intelecto geral.
A classe burguesa promove pesquisa e tecnologia para acelerar a produtividade de sua empresa e para também superar seus concorrentes, reduzindo salários e demitindo trabalhadores para que sejam substituídos por maquinaria no processo. Porém cada capitalista procura o mesmo objetivo “racional”, e, ao executá-lo, a burguesia como um todo corta no próprio mercado onde pretende vender. Com mercadorias invendáveis, a crise de superprodução se revela e a produção entra em estagnação. O capitalista se beneficia da inovação tecnológica no curto prazo; no entanto a médio e longo prazo acaba gerando desemprego e mais crise econômica, pois com a diminuição da massa salarial suas mercadorias encalham nas prateleiras dos comércios.
A insuspeita (porque não pode ser apontada como comunista, ao menos que você seja um adepto fervoroso do obscurantismo bolsonarista) The Economist de 25 de maio de 2013 fez o seguinte comentário:
“Há uma boa chance de que a tecnologia possa destruir mais empregos do que cria. Há uma chance ainda maior de que ela continuará a aumentar as desigualdades. A tecnologia está criando cada vez mais mercados nos quais os inovadores, investidores e consumidores – e não os trabalhadores – obtêm a maior parte dos ganhos”.
Definitivamente não é como políticos da estirpe de Trump, Salvini ou Marine Le Pen querem nos fazer acreditar, que os estrangeiros e imigrantes estão tomando os empregos dos seus compatriotas, além de ser uma tese racista e xenófoba é uma teoria equivocada do ponto de vista econômico – o que diminui os empregos são os capitalistas que entre outros artifícios, se utilizam do avanço tecnológico para obter ainda mais lucros.
No Brasil, segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) na faixa de alta intensidade tecnológica o emprego retraiu muito acima da média geral, ainda que em termos absolutos não seja uma faixa que gera muitos empregos, já que reúne setores intensivos em capital e em conhecimento. Entre maio de 2015 e abril de 2016 foram fechados 51 mil postos de empregos, enquanto no período de maio de 2014 e abril de 2015 a redução tinha chegado a 17 mil postos de trabalho. Portanto, o fechamento de postos avançou expressivos 190%.
O Intervalo de Confiança #04 abordou a questão do possível desemprego que a inteligencia artifcial pode ocaisonar, esse medo do desemprego em massa em razão do avanço tecnológico, definitivamente não é nenhuma novidade dos nossos tempos, o economista Michael Stewart na década de 1980 afirmou:
“Nos anos 1830, os tecelões manuais de Lancashire foram afastados de sua atividade pelos novos teares. Da mesma forma, nos anos 1980, os trabalhadores semi-especializados da indústria automobilística estão sendo afastados da atividade por robôs.
Redução de jornada de trabalho, o direito ao não trabalho e renda básica universal
[…] A existência de um primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto,de toda a história, a saber,que os homens devem estar em condições de poder viver a fim de «fazer história» . Mas, para viver, é necessário antes de mais nada beber, comer, ter um teto onde se abrigar, vestir-se, etc. O primeiro fato histórico é, pois, a produção dos meios que permitem satisfazer essas necessidades, a produção da própria vida material; trata-se de um fato histórico, de umas condições fundamentais de toda a história, que é necessário, tanto hoje como há milhares de anos, executar dia a dia, hora a hora, a fim de manter os homens vivos
(Marx e Engels, A Ideologia Alemã).
Marx afirmava que o homem só pode ter cultura e descanso quando a produção permitiu um excedente, ou seja, o trabalho de um dia produziu o suficiente para as pessoas se alimentarem dois dias. No segundo se pode pensar, amar, descansar, inovar´e nos dias de hoje escrever aquela pauta legal pra um podcast que você quer começar com os amigos.
“Fica claro que o trabalhador durante toda a sua existência nada mais é que força de trabalho, que todo seu tempo disponível é, por natureza e por lei, tempo de trabalho a ser empregado no próprio aumento do capital. Não tem qualquer sentido o tempo para a educação, para o desenvolvimento intelectual, para preencher funções sociais, para o convívio social, para o livre exercício das forças físicas e espirituais, para o descanso dominical […]. Mas em seu impulso cego, desmedido, em sua voracidade por trabalho excedente, viola o capital os limites extremos, físicos e morais, da jornada de trabalho. Usurpa o tempo que deve pertencer ao crescimento, ao desenvolvimento e à saúde do corpo. Rouba o tempo necessário para se respirar ar puro e absorver a luz do sol. Comprime o tempo destinado às refeições para incorporá-lo sempre que possível ao próprio processo de produção, fazendo o trabalhador ingerir os alimentos […] como se fosse mero meio de produção […]. O capital não se preocupa com a duração da vida da força de trabalho”.
Na obra “Luta de classes”, Karl Kautsky defende a necessidade de redução do tempo de trabalho no socialismo, no entanto, não propõe qualquer reforma no desenho da tecnologia ou no processo de trabalho.
Já o sociólogo Ricardo Antunes, defende que a redução da jornada de trabalho é uma das mais importantes reivindicações do mundo do trabalho, e pode ser uma medida que além de mitigar o desemprego na na classe trabalhadora, permite levantar uma reflexão fundamental sobre o tempo: tempo de trabalho, tempo livre, o auto controle sobre o tempo de trabalho e o tempo de vida.
Outro debate importante é em relação a renda básica universal, também citada no Intervalo de Confiança #04, é uma medida que se bem implantada pode se configurar como uma importante política pública de transferência de renda, de combate à pobreza e no fortalecimento de uma cultura cidadã. No entanto é preciso alertar sobre os limites dessa política, seria uma ilusão considerar que tais medidas possam humanizar o capitalismo ou salvá-lo de si mesmo. , chama de ideia romântica, a aposta de que ela possa salvar o capitalismo, para José Eustáquio Diniz Alves (pesquisador titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Ence/IBGE.)
“Acreditar na possibilidade de os capitalistas taxarem os futuros onipresentes e oniscientes robôs e distribuírem uma renda básica universal para que a população desocupada tenha recursos para comprar os seus próprios produtos é uma ideia surreal.”
Há uma contradição ao observarmos o ascenso das novas tecnologias, enquanto muitos perderam seus empregos, outros tantos trabalharam excessivamente ou de forma precarizada como no chamado fenômeno da “uberização”, tal fato, além de causar o recuo da atividade sindical, afeta cada vez mais problemas de saúde nesses trabalhadores, tanto físicos quanto psíquicos, devido a excessiva carga horária de trabalho para se garantir o mínimo à sobrevivência. .
Domenico de Masi, sociólogo italiano, foi quem efetivou o conceito de ócio criativo no século anterior. Sem tempo de lazer, sem ócio criativo, não haverá novas ideias, inovação, progresso maior. Uma ideia pode valer mil horas de trabalho. Por isso o De Masi recomenda que as pessoas dividam seu tempo em períodos iguais de trabalho, estudo, lazer, ouvir podcast e o sono.
A luta no ambiente de trabalho para o aumento do mínimo vital, não é secundário: é uma luta política. Não somos robôs humanos e nem podemos aceitar que o advento das novas tecnologias sirvam para aumentar o fosso das desigualdades sociais no nosso planeta, não só entre capitalistas e trabalhadores, mas também entre países desenvolvidos e países da periferia do sistema internacional, caso isso aconteça estaremos as portas de uma uma distopia ultra capitalista cibernética.
A tecnologia libertará o trabalhador quando for expropriada pelo proletariado e socializada para eliminar as desigualdades sociais no planeta, a tecnologia não estando a serviço do lucro capitalista tornará possível o que o Trotsky escreveu certa vez: “a revolução virá, não só para trazer o pão, mas também a poesia”.
Parabéns pelo excelente texto, adorei…a Revolução 4.0 está engolindo o mundo e corre um grande risco de acabar com todos os empregos, nesse ritmo restarão só os subempregos, onde pra conseguir sobreviver só ralando de sol a sol e sem direitos trabalhistas, seremos escravos do sistema, hoje quem mais emprega no Brasil é a Uber e a Ifood.