Pauta – 04 – A Inteligência Artificial vai acabar com o emprego?

Esta não é uma transcrição fiel ao que foi dito no episódio, mas uma transcrição detalhada da pauta, o que normalmente equivale a 90% do que foi dito no episódio.

Esta pauta foi feita por Igor Alcantara. A vitrine do episódio foi feita por Diego Madeira. O episódio foi apresentado por Igor Alcantara e participaram Nicolli Gautério e Kézia Nogueira.

O episódio começa com a vinheta Intervalo de Confiança. A trilha foi composta por Rafael Chino. A voz da vinheta é de Letícia Daquer. A voz com os créditos, ao final do episódio, é de Mariana Lima.

Bloco de Apresentações

Igor diz: Estamos começando mais um Intervalo de Confiança, o seu podcast de ciência e jornalismo de dados, uma Distribuição Uniforme de pensamento crítico. Este é nosso episódio número 4 onde vamos entender o que é Inteligência Artificial, de onde ela veio, o que é realidade hoje em dia e o que é ficção e quais as perspectivas para o futuro, especialmente como a Inteligência Artificial vai mudar a nossa relação com o trabalho e como isso afetará a sociedade. Será que ficaremos todos sem trabalho no futuro? Eu sou o Igor Alcantara e para falar disso aqui comigo hoje estão.

Nicolli se apresenta.

Igor diz: E hoje não contamos com a presença da nossa amiga Patrícia Balthazar que está em um congresso nesta semana, mas temos o privilégio de termos uma equipe incrível, então para compor a bancada hoje nós trouxemos…

Kézia se apresenta.

Igor diz: O episódio começa logo depois dos nossos super breves recadinhos.

Recados

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Bom, vamos então para o episódio de hoje.

Introducão

Nicolli diz: Tu provavelmente se deparou com notícias como “A Airbus anuncia projeto de avião do futuro com comissários de bordo robôs”, “Carros Autônomos prometem substituir motoristas em poucos anos”, “Tempo Budista no Japão usa robô sacerdote”, “tratores inteligentes reduzem a necessidade de mão de obra na agricultura”, “projeto em universidade testa Inteligência Artificial no lugar de juízes em simulações”, “diagnósticos médicos eletrônicos tornam-se cada vez mais realidade” entre várias outras. E então, será que a inteligência artificial vai mesmo acabar com todos os empregos? O quanto existe de verdade e de exagero nisso?

Antes de a gente debater os efeitos da chamada “Quarta Revolução Industrial”, vamos entender um pouco melhor o que é Inteligência Artificial.

Definição

Kézia diz: A definição clássica de Inteligência Artificial é a de que ela é a inteligência demonstrada por máquinas. Só que esse conceito é muito vago, até porque a gente ainda não tem uma definição unânime do que seja uma inteligência biológica. A gente sabe que humanos são, em teoria, inteligentes, mas e os animais? O que faz a gente definir um animal como inteligente ou não?

Vamos então para algumas definições de inteligência em um contexto mais amplo para a gente entender o que vem a ser a inteligência artificial. Uma das definições diz que “inteligência é um conjunto de características que incluem a capacidade de conhecer, compreender, raciocinar, pensar e interpretar”. E essas capacidades envolvem questões como lógica, abstração, memorização e aprendizado.

Agora vamos pegar cada um desses pontos e entender se máquinas são ou podem ser capazes em um futuro breve de executar isso. Primeiro ponto, é o conhecimento. Será que uma máquina tem capacidade de conhecer algo? Sem entrar na definição de conhecimento, mas a gente pode concordar que máquinas ditas inteligentes tem uma certa capacidade de conhecimento. Vamos pegar, por exemplo, alguns modelos de carro que conseguem analisar as imagens ao redor do carro e saber se o motorista está dentro da faixa correta, se ele está cansado, etc. Isso é realidade hoje. A maioria dos carros novos vendidos nos Estados Unidos, Europa e parte da Ásia já possuem este recurso. 

Aí a gente já inclui dois outros fatores: Compreensão do mundo à volta, neste caso com análise de imagens, variação de velocidade, proximidade de obstáculos, etc; e também a Interpretação, sabendo o que o conjunto dessas informações significa e como reagir a isso. Esses carros podem, por exemplo, frear ou retornar à faixa original para evitar um acidente. Eles são carros com sistemas inteligentes parcialmente autônomos. E isso já é realidade.

Mas como a máquina consegue então saber tudo isso e tomar uma decisão? Isso acontece através de uma coisa que a gente chama de Aprendizado, que é basicamente um processo semelhante que acontece com a gente também. Com base nisso, a gente consegue então chegar a uma definição melhor de inteligência artificial que é a “capacidade de uma máquina executar tarefas específicas de formas a que ela não foi previamente programada, fazendo isso através de um processo de aprendizado”. Ou seja, uma máquina aprende e ela usa esse aprendizado para tomar decisões ou mostrar resultados que não foram antes previstos por um programador.

Vamos dar um exemplo?

Igor diz: Imagine que você tenha um sistema automático que vai aprovar ou negar um pedido de empréstimo a uma pessoa. E digamos que você não use inteligência artificial para isso. Aí você contrata um programador e ele tem então que pegar os dados dos clientes e construir um código que preveja todas as situações possíveis e saiba o que fazer naquele caso. Aí ele faz algo tipo: se a pessoa ganha acima de X, trabalha a pelo menos Y anos na empresa, pediu um valor menos que Z de empréstimo, não tem nome no SPC, etc etc etc, o resultado é “aprovar o empréstimo”, mas se ele bla bla bla, aí o resultado é tal. Ou seja, cada uma das inúmeras possibilidades tem que ser antes previstas e  escritas. Além de ser muito trabalhoso e ser algo bem engessado, isso é super complexo de se dar manutenção. Imagina que alguma regra mude ou se um tipo novo de informação é inserido. E aí, como faz? E se aparecer uma pessoa em uma situação que ninguém imaginou?

É aí que entra a inteligência artificial. Neste caso, uma inteligência artificial pegaria os dados de empréstimos do passado, incluindo aí até se a pessoa pagou o empréstimo em dia ou não, e usaria isso para aprender as regras que existem e que um olho humano não consegue perceber facilmente. Baseado neste aprendizado, a máquina então está pronta a tomar as decisões.

{Igor cita o exemplo que trabalhou na USC (University of Southern California) para salas cirúrgicas}

Tipos de Inteligência Artificial

Nicolli diz: Só que essa metodologia de aprendizado e funcionamento não é a única que existe. A gente pode falar em diferentes tipos de  Inteligência Artificial e cada uma tem uma forma de trabalhar diferente e uma complexidade também diferente. Vamos entender um pouco esses tipos então. E isso é importante para que o ouvinte entenda em que estágio da Inteligência Artificial o mundo se encontra para saber dos reais riscos e curto e médio prazo.

Dito isso, vamos lá. Primeiro, quanto às tarefas que uma IA consegue realizar, a gente pode falar em três tipos. Muitas classificações são baseadas em dois tipos, mas aqui a gente vai usar uma um pouco diferente.

A Inteligência Artificial Fraca, que também pode ser chamada de Inteligência Artificial Específica ou mesmo Restrita, é aquela onde um programa de IA consegue realizar uma tarefa pré-determinada. Por exemplo, decidir sobre a concessão ou não de um empréstimo, identificar quem é uma pessoa em uma foto, reconhecer as palavras que estão sendo ditas por uma pessoa, traduzir um texto, jogar uma partida de poker, xadrez ou outro jogo, etc.

Esse tipo de inteligência pode ser usada até mesmo para demitir ou contratar pessoas. Muitas empresas estão empregando sistemas assim em seu departamento de RH. Anos atrás o Distrito Escolar da cidade Dallas no Texas demitiu uma professora baseado em uma recomendação de uma IA, mas no final eles não sabiam exatamente o que levou essa Inteligência Artificial a tomar essa decisão. Este aqui é um exemplo de uma Inteligência Artificial Fraca.

Kézia diz:

O segundo tipo é quando a IA consegue realizar diferentes tarefas tão bem quanto um ser humano ou até mesmo algumas vezes ligeiramente melhor. Neste caso a gente fala que tem uma Inteligência Artificial Geral. A Inteligência Artificial Geral não existe ainda, mas grandes avanços estão sendo feitos nesta direção. Vamos citar um exemplo. Há poucos anos, alguns pesquisadores treinaram uma IA foi treinada a jogar 49 jogos clássicos do Atari. O programa jogou inúmeras vezes e com duas horas e meia apenas já havia desenvolvido estratégias para vencer os jogos que nenhum humano jamais tinha usado e venceu jogadores profissionais em mais da metade das vezes. 

Outro exemplo disso é o projeto AlphaGo do Google DeepMind que foi capaz de vencer o campeão mundial de GO, o coreano Lee Sedol, um dos melhores jogadores de todos os tempos, em 4 dos 5 jogos que eles disputaram. Para o ouvinte ter uma ideia do tamanho dessa conquista, Go é talvez o jogo de tabuleiro mais complexo que existe. O número possível de jogadas é superior ao número de átomos do Universo! E o programa desenvolveu uma forma de jogar que ninguém nem era capaz de entender.  Isso inclusive surpreendeu vários estudiosos na área que achavam que demoraria ainda uns 10 anos para o AlphaGo vencer o campeonato mundial. Isso está bem explicado em um documentário da Netflix chamado AlphaGo. Fica aqui a nossa recomendação para que todos assistam.

Igor diz: Bom, falamos então de dois tipos de inteligência artificial: a Fraca, a Geral, mas ainda existe uma terceira, mais avançada. Estamos falando da Super Inteligência Artificial. Este tipo de inteligência artificial é muito superior à inteligência humana em todos os aspectos. Ela consegue desempenhar qualquer tarefa muito melhor que as pessoas mais geniais, consegue se comunicar melhor, consegue planejar melhor, raciocinar, julgar; enfim, ela nos supera em todos os aspectos. No entanto, este nível de inteligência artificial é ainda apenas teórica, ela também não existe ainda e achamos que ela não está ainda nem perto de existir. Ela só vai acontecer de fato quando superarmos o que é chamado de a Singularidade. Este será o ponto em que a Inteligência Artificial será superior à biológica. Mesmo que esses conceitos ainda sejam apenas teóricos, recomendamos desde já tratar bem o seu computador e máquina de lavar. Nunca se sabe, né?

Antes que a gente continue, vale aqui ressaltar que como o Intervalo de Confiança é um podcast de Ciência de Dados e a Inteligência Artificial é uma área de pesquisa de Ciência de Dados, a gente ainda vai falar muito desse assunto aqui em episódios mais específicos. Então o ouvinte pode esperar em breve um episódio sobre Consciência Artificial e Singularidade, sobre várias formas como uma máquina aprende, sobre processamento de linguagem natural, Teoria da Mente, Redes Neurais e Deep Learning, etc. Também falaremos no futuro sobre os riscos das Super Inteligências Artificiais, mas cada assunto no seu tempo. Por causa disso, a gente não vai aprofundar demais em cada um desses assuntos hoje. Este episódio vai ficar como uma boa introdução ao tema já que o tópico principal é como isso afeta o emprego e a sociedade.

Origem da Inteligência Artificial

Nicolli diz: A ideia de entidades com um certo grau de autonomia e inteligência, mas de origem não biológica é bem mais velha. Como quase tudo no mundo ela vem lá da Grécia antiga. A gente tem exemplos dos robôs de ouro feitos pelo Deus da forja, Hefesto, que ajudavam ele a caminhar, já que ele era manco, e também nas tarefas diárias ou até nos gigantes de bronze criados por Zeus para proteger a ilha de Creta. Este mito de seres autômatos nos acompanha desde então até o termo Robô ser usado pela primeira vez em 1920 na peça de ficção científica R.U.R. do dramaturgo tcheco Karel Kapec. A palavra Robô vem do termo Robota que em tcheco quer dizer “trabalho forçado” ou mesmo “escravo”.

Só que o estudo da Inteligência Artificial moderna, ou seja, aquela que usa computadores e programação para existir, começou mesmo entre as décadas de 1940 e 1950. Em 1950, o matemático Alan Turing, que foi retratado no filme “O Jogo da Imitação”, publicou um artigo que falava sobre a possibilidade de se construir no futuro “máquinas pensantes”. Como era difícil estabelecer o que significa pensar, ele criou o que hoje conhecemos como “Teste de Turing”. Esse teste funciona basicamente assim: uma pessoa conversa com uma máquina e com outra pessoa através de mensagens enviadas por um computador. Se ela não conseguir diferenciar quem é a máquina e quem é o humano, então pode-se dizer que essa máquina passou no teste e, portanto, ela pensa. Esse artigo está linkado no post deste episódio para quem quiser ler. Ele foi o primeiro trabalho de filosofia da Inteligência Artificial. Essa área, inclusive, está em grande alta. Fica aqui a dica para os ouvintes da área de filosofia e do direito que este é um campo muito interessante de estudo, incluindo aí até questões éticas, de trabalho, etc.

Kézia diz: Em 1951, dois pesquisadores da Universidade de Manchester desenvolveram um jogo de Xadrez e um jogo de Damas que eram capazes de jogar sozinhos e desafiar jogadores amadores. Claro que um computador desafiar um jogador campeão mundial aconteceria apenas em 1996 quando o IBM Deep Blue jogou contra o famoso Garry Kasparov em uma melhor de 6 jogos. Kasparov venceu 4 e a máquina venceu 2. Já no ano seguinte eles refizeram o desafio e o Deep Blue venceu três, Kasparov apenas duas e uma partida terminou empatada. E, claro, teve o feito do AlphaGo que a gente já comentou.

No entanto, o ponta-pé inicial de fato para as pesquisas em Inteligência Artificial começaram com o Congresso de Dartmouth em 1956, onde diversos cientistas se reuniram com a tarefa de debater se todos os aspectos da inteligência humana poderiam um dia ser reproduzidos por um computador. A partir daí a gente teve um número crescente de pesquisas em diversas áreas como Redes Neurais, Processamento de Linguagem Natural e Robótica, com muito dinheiro investido pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos que colocam uma boa grana em universidades como o MIT, por exemplo.

Nos anos 70 houve uma  queda nesses investimentos e pesquisas já que o objetivo de se fazer máquinas inteligentes parecia inalcançável. Nos anos 80 houve um novo boom com a criação de sistemas especialistas que conseguiam desenvolver algumas tarefas específicas de modo muito eficiente e, entre altos e baixos, esse campo continua a se expandir cada vez mais.

Estado Atual da Inteligência Artificial

Igor diz: Hoje em dia quando a gente fala em Inteligência Artificial, quase todos os exemplos estão dentro de uma área bem ampla de estudos chamada de “Machine Learning”. 

Incluindo nesse conjunto de coisas a que chamamos hoje de Inteligência Artificial, nós temos algumas áreas em grande expansão: Visão Computacional, que permite que máquinas processem e interpretem imagens; Processamento de Linguagem Natural, onde um programa consegue entender um texto escrito e se comunicar por texto escrito; Processamento de Linguagem, que é parecido, mas o programa consegue se comunicar por voz, como os assistentes do tipo Siri, Alexa e outros. E a última área que a gente queria citar aqui é a de Redes Neurais Artificiais, onde a gente simula o comportamento de um cérebro, com seus neurônios e sinapses e usa essa rede de neurônios para resolver problemas. Hoje em dia o tipo mais avançado de Rede Neural está ganhando muita atenção, estamos falando de Deep Learning.

Antes de continuarmos, queremos dizer que quando a gente fala de automação, não estamos apenas falando de robôs inteligentes. A maior parte das automações acontecerá através de programas de computador realizando tarefas das mais diversas, desde escrita de textos, suporte a usuário até mesmo coisas mais completas como negociação de ações em bolsas de valores.

Inteligência Artificial e o Futuro do Trabalho

Nicolli diz: Bom, mas e como tudo isso afeta nossa vida e o nosso futuro? Será que a Inteligência Artificial está em condições de roubar nossos empregos? Bom, vamos falar disso agora.

Uma coisa que a gente aprende na escola é com a criação das máquinas a vapor lá no final do Século XVIII, aconteceu o que é chamado de a Revolução Industrial. Só que houve outras revoluções industriais depois dessa.

No início do Século XX, com o avanço da metalurgia, do surgimento do fordismo e do taylorismo, temos a chamada Segunda Revolução Industrial. Aí na década de 1970 a informática trouxe a Terceira Revolução Industrial. Só que as coisas não pararam por aí. Neste momento nós estamos passando pela chamada Quarta Revolução Industrial.

Esta nova fase de revolução é representada pelo aumento da automação e da conectividade, com sistemas em nuvens, grande troca de dados e pela popularização da Inteligência Artificial.

Kézia diz: Klaus Schwab, autor do livro A Quarta Revolução Industrial, disse que “Estamos a bordo de uma revolução tecnológica que transformará fundamentalmente a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Em sua escala, alcance e complexidade, a transformação será diferente de qualquer coisa que o ser humano tenha experimentado antes”.

A ideia desta revolução em certo modo é substituir totalmente o uso da mão-de-obra humana no processo produtivo e isso só é possível com o uso da Inteligência Artificial, pois as máquinas precisam tomar decisões por conta própria. Na Alemanha e no Japão, por exemplo, já existem fábricas onde toda a linha de produção é feita por máquinas. No campo isso também acontece com máquinas agrícolas que operam sozinhas.

Existe um discurso comum de que a tecnologia acaba com um emprego, mas gera outros, só que isso atualmente é uma distorção da realidade. Vamos ver um exemplo para entender melhor. Quando os tratores foram introduzidos no campo, muitos trabalhadores rurais perderam o emprego e tiveram que ir para os grandes centros urbanos, causando problemas diversos que a gente conhece. Só que ao mesmo tempo, surgiram empregos nas linhas de montagem dos tratores, para vendedores de tratores, operadores, mecânicos, etc. O problema é que isso hoje em dia não acontece na mesma escala. Você demite os operadores porque o trator já começa a ser autônomo, mas a fábrica também começa a não ter pessoas nela, as vendas são online. Enfim, a tendência é um aumento no desemprego.

Igor diz: Só que essa revolução afeta não apenas o setor produtivo tradicional, ela também afeta a área de serviços. Junte isso com uma relação mais direta entre fornecedor e consumidor, uma redução nos direitos trabalhistas e um aumento exponencial da terceirização e tu encontra o processo chamado hoje de Economia do Compartilhamento, popularmente de Uberização da Economia. A ideia do Uber parece ótima para o consumidor, já que conecta um cliente diretamente com um motorista, mas no final a empresa dona do aplicativo encara as duas pontas do negócio quase que como clientes. Ou seja, o vínculo que o motorista tem não segue as leis trabalhistas e este profissional não tem segurança nenhuma. Por um lado, ele ganha flexibilidade, mas se você aliar isso com o fato de que se trabalha cada vez mais, na prática a pessoa acaba se comportando como um empregado da empresa e não como parceiro, mas sem nenhum direito de fato. Há casos nos Estados Unidos de motoristas que literalmente moram nos seus próprios carros. Até mesmo a parte de entregas têm mudado. Todo mundo já conhece o sucesso que serviços como o Uber Eats faz, mas nos Estados Unidos já há quase dois anos a maior parte das entregas da Amazon se faz através de motoristas terceirizados, que usam um aplicativo tipo o do Uber. Com ele eles sabem de pacotes para pegar nos centros de distribuição e tem o GPS que calcula a rota para eles fazerem as entregas nas casas dos clientes.

E isso não se limita ao transporte. Existem aplicativos como o Uber para quase tudo. Desde para agendar artistas para festas e eventos, alugar imóveis por temporada como faz o AirBnB, aplicativos médicos que evitam idas a hospitais em casos de doenças simples, drones que fazem todo tipo de serviço, de entregas a fertilização de lavouras, etc.

Nicolli diz: Com cada vez menor poder de barganha, os trabalhadores acabam ficando em uma condição cada vez mais precária. Nunca se trabalhou tanto, nunca se consumiu tanto e nunca se teve tantos casos de depressão e ansiedade. Antigamente se tu tinha uma viagem a fazer, precisa se distrair com um livro. Quando inventaram o Walkman ou o Discman, podia ouvir música, mas precisava ter a mídia física e decidir quais levaria. Depois veio o iPod e o MP3 e você podia colocar discografias inteiras dentro destes dispositivos. Hoje com o Spotify e serviços similares, você tem acesso a praticamente qualquer artista do mundo a qualquer momento. Não se sabe mais esperar. Tudo é imediato. E, claro, quando você junta tudo isso, nós estamos no início de um grande problema para a sociedade.

A Patrícia não conseguiu gravar, mas ela mandou pra gente um gráfico que vamos compartilhar no post e no nosso Instagram que mostra a evolução e projeção do custo da mão de obra operária no Brasil e México de 2015 até 2032 comparado com o custo de um robô soldador. E você vê que já neste ano a diferença é bem grande e essa diferença vai se tornando ainda maior no passar do tempo, sendo que um robô custa cada vez menos.

Igor diz: Claro que isso não é novidade. Há poucas décadas os bancos fizeram os clientes trabalharem para eles e ainda pagam por isso. Foi quando eles inventaram o Internet Banking e o Caixa Eletrônico. Antes uma greve de bancários era catastrófica para a economia, hoje em dia, boa parte das pessoas raramente vai a uma agência bancária ou interage com um funcionário do banco. Só que, se você precisar de um empréstimo, precisa que um funcionário estude sua aplicação e tome uma decisão. Em muitos locais a maioria das decisões deste tipo já é tomada por uma Inteligência Artificial.

Mas o ouvinte deve estar se perguntando: meu emprego corre risco? Um dia as máquinas vão substituir todos os humanos?

Nicolli diz: Todos os humanos é difícil que as máquinas substituam, especialmente aqueles trabalhos que requerem uma interação maior e sejam menos repetitivos. Trabalhos manuais ou que se baseiam em uma sequência de ações são os primeiros a deixar de existir. E esses empregos envolvem desde operários em fábricas até atendentes de telemarketing e suporte telefônico, já que chatbots começam a tomar conta de várias empresas. Algumas redes de supermercado, por exemplo, já usam robôs para limpar o chão e repor produtos nas prateleiras, sendo que em alguns países a maioria dos caixas já é de autoatendimento. 

Isso não é de todo ruim, já que a gente pode tirar pessoas de trabalhos perigosos e degradantes. Para que mandar uma pessoa desarmar uma bomba se tu pode mandar um robô, ou em minas de extração, ou mesmo enviar profissionais em áreas com risco de desabamento, em incêndios, altas profundidades, etc. Só que não são apenas esses empregos que estão ameaçados. Hoje robôs conseguem já dar diagnósticos médicos precisos e fazer cirurgias. Só que neste caso, o médico ainda possui o fator humano e a relação médico-paciente.

Kézia diz: Mas quantos empregos são perdidos nos próximos anos e quais são as profissões mais ameaçadas? Existe um site que foi feito baseado em uma pesquisa onde você pode colocar sua profissão e eles calculam o risco deste emprego deixar de existir ou do número de vagas reduzir drasticamente. A gente vai deixar o link no post do episódio, mas este mesmo estudo estima que na próxima década quase 50% das profissões deixará de existir.

Só que esses números são apenas uma estimativa e não há um consenso sobre isso. Existe um artigo publicado pelo MIT que vamos deixar o link no post do episódio, que reúne algumas dessas previsões. E os números variam bastante. E a razão para ninguém saber ao certo é porque não sabemos ainda onde essa tecnologia vai nos levar na próxima década, tudo o que podemos fazer é estimar alguns cenários e discutir como nos prepararmos para eles.

É de fato irreal que em 15 ou 20 anos todos os empregos deixem de existir. Além disso, existem muitas profissões que serão criadas que a gente nem sabe ainda. Na verdade nem faz mais sentido perguntar para uma criança o que ela quer ser quando crescer. É provável que a profissão dela ainda não tenha sido criada.

Só que nem é preciso que todos os empregos sejam eliminados. Se a gente chegar a índices de desemprego de 20, 30% ou mais, isso já pode ser catastrófico para a sociedade.

Possível Soluções

Igor diz: Mas então não tem jeito? Acabou? Boa sorte? Não tem o que fazer? 

Felizmente existem pessoas pesquisando este assunto e sugerindo ações que podemos tomar desde já para que esse processo possa ser saudável e a sociedade possa se beneficiar como um todo. 

A gente reuniu algumas dessas opções. E que fique claro que uma não exclui a outra, dá para adotar mais de uma medida ao mesmo tempo e isso seria o mais prudente, já que não sabemos exatamente qual futuro nos aguarda.

Nicolli diz: A primeira dessas opções é Treinar as pessoas com maior risco de perder seus empregos para que elas possam aprender novas profissões e se adequar a essa nova realidade. Existem áreas carentes de profissionais, então um remanejamento seria ideal no curto prazo. Claro que, a longo prazo, isso não bastaria. E mesmo quem não corre riscos deveria também aprender novas habilidades, já que hoje em dia a mudança de profissões e de empregos é bem mais constante do que era na época dos nossos pais.

Aqui também vale discutir que precisamos de modo urgente mudar o nosso modelo de educação fordista que foi pensado em formar operários. Os empregos com menor risco são aqueles que envolvem grande uso de criatividade e intelecto. Então a educação deveria também começar a pensar nisso.

Uma outra alternativa levantada por pessoas como Bill Gates é a de se cobrar impostos mais altos pelo uso de automação e usar esse imposto em benefício do trabalhador que perdeu seu emprego. Só que isso no final é ineficiente, porque as empresas vão encontrar formas de driblar essa cobrança. Só que essa teoria levanta um ponto interessante.

Kézia diz: E este ponto é: precisamos considerar que nem todos terão condições de trabalhar. Não por falta de vontade ou de capacidade, mas porque não haverá emprego para todo mundo. E então, o que a gente pode fazer? Neste caso, uma proposta que vem ganhando mais força é que precisamos mudar o paradigma da sociedade. Hoje o trabalho é muito do que nos define. Se você pergunta a uma pessoa quem ela é, é bem provável que a segunda coisa que ela diga, logo depois do nome, é a sua profissão. Em um futuro com menos emprego, a gente precisa pensar como vamos sobreviver. Uma alternativa que tem sido pensada e alguns países começam a adotar é a de fornecer a cada cidadão uma renda mínima para que ele possa viver bem. A chamada Renda Universal Básica. Seria uma forma de converter os impostos arrecadados pela riqueza gerada por robôs de volta à sociedade. E isso é bom até para o capitalismo, já que pessoas sem dinheiro não conseguem consumir.

Igor diz: Claro que todas essas sugestões e outras que existem dependem de ações políticas e governamentais. Pode ser que a solução ideal não seja nenhuma dessas, mas precisamos resolver logo esses debates antigos que não deveriam mais ser polêmicas, percebemos que não dá para voltar ao mundo do Século XVIII. Então, deixa os LGBTs serem felizes, deixa a mulher ser dona do seu corpo, etc, e vamos gastar nosso tempo e energia com foco nos problemas do Século XXI. 

Quadro Desvio Padrão

Igor diz: É isso então, gente. Agora nós chegamos na hora do quadro Desvio Padrão. Para quem ainda não sabe, este quadro é um prêmio dado a cada episódio para algum dado que foi divulgado  ou interpretado de forma errada, ou distorcido ou onde a parte científica foi ignorada e isso gera ou um exagero do que está sendo mostrado ou mesmo mostra algo que é completamente mentiroso.

Nicolli diz: E na edição desta quinzena, o prêmio vai ser dividido entre O Ministério das Relações Exteriores do Brasil e o agrônomo Evaristo Eduardo de Miranda, chefe da Embrapa Territorial. E eles venceram o prêmio por conta de deturpação em dados divulgados sobre o desmatamento no Brasil.

Em seu relatório, Evaristo Miranda diz que “a área com cobertura vegetal nativa no Brasil corresponde a 66,3% do território: 25,6% como vegetação nativa em propriedades rurais; 13,8% como terras indígenas; 10,4% como unidades de conservação; e 16,5% em terras devolutas e não cadastradas”. Esses dados foram divulgados no livro “Tons de Verde” que foi impresso com a ajuda de 15 instituições do agronegócio.

Kézia dis: Estes cálculos são contestado por diversos especialistas, inclusive de dentro da Embrapa. Um artigo publicado por autores brasileiros no ano passado na revista Environmental Conservation, da Universidade Cambridge, no Reino Unido, com o título “Os dados confirmam que Brasil lidera o mundo em preservação ambiental?”, chama os números de Miranda de “estatísticas criativas” e “influenciadas por uma narrativa ideológica que distorce a realidade ambiental brasileira”.

Evaristo afirma que áreas de mata nativa dentro de propriedades privadas somam 218 milhões de hectares e representam 25% do território do Brasil, fazendo do produtor rural a categoria que mais preserva no país. Esse cálculo foi feito a partir do que os próprios proprietários declararam ao realizar o Cadastro Ambiental Rural (CAR). O artigo publicado na Environmental Conservation, porém, contesta diretamente o uso de informações autodeclaratórias do CAR por Miranda para sustentar que os produtores rurais são os que mais preservam no Brasil. O texto cita uma pesquisa da Universidade Federal do Mato Grosso que constatou que, de 75 grandes propriedades na região de Rondonópolis (MT), 49 declararam ter área preservada maior do que o observado nas imagens de satélites. 

Igor diz: Já dados da ONU indicam que a área coberta por florestas no Brasil caiu de 65,4% em 1990 para 59% em 2016. No mesmo período, o índice subiu de 35% para 38% na União Europeia.

O Itamaraty compartilha este prêmio por ter usado esses dados em um telegrama enviado às embaixadas brasileiras em diversos países com instruções de como os diplomatas deveriam responder às críticas à política de devastação ambiental do governo.

Nicolli diz: Neste documento, o Itamaraty começa afirmando que os índices de desmatamento na região amazônica tiveram “redução significativa, de 27.700 km² em 2004 para 7.500 km² em 2018 (redução de 72%)”.

O telegrama não deixa claro, no entanto, que nesse período só houve redução no desmatamento entre 2004 e 2012, durante os dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva e metade do primeiro de Dilma Rousseff. Mas desde 2012 os dados medidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram crescimento quase contínuo da derrubada de floresta. 

Os dados para o último ano (período que engloba de agosto de 2017 a julho de 2018), durante o governo de Michel Temer (MDB), são de 7.900 km² de perda de mata nativa na região. A cifra corresponde a um aumento de 15% ante os 12 meses anteriores.

Já os números preliminares de 2019 têm indicado piora da situação: o sistema Deter, do Inpe, aponta que os alertas de desmatamento na Amazônia Legal brasileira dispararam 278% no mês passado, na comparação com julho de 2018. Para ambientalistas, a forte alta reflete o enfraquecimento das políticas de preservação. O diretor do INPE inclusive foi demitido por, veja só que afronta, dizer a verdade.

Igor diz: Então  fica aqui o nosso parabéns aos vencedores deste nobre e tão indesejado prêmio!

Quadro Espaço Amostral

Igor diz: E chegamos ao final do episódio. Só que antes de encerrar, nós entramos agora no quadro ESPAÇO AMOSTRAL, onde cada um indica alguma coisa bacana que esteja vendo, lendo ou jogando. Vamos começar então pela Kézia que está gravando pela primeira vez.

Indicação da Kézia: Filme “I am Mother”, disponível na Netflix.

Indicação da Nicolli: Podcast “Escuta Feminista”.

Indicações do Igor:

  • Livro: “Weapons of Math Destruction: How Big Data Increases Inequality and Threatens Democracy” – Cathy O’Neil
  • Série Netflix: Better than Us

Encerramento

Participantes se despedem e fazem suas considerações finais.

Author: Igor Alcantara

Cientista de Dados, professor e podcaster. Com mais de uma década de experiência trabalhando com dados, atualmente reside em Boston - MA com sua família e uma gata.